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terça-feira, 31 de outubro de 2017

«Aquela de Lutero? Não foi uma reforma, mas uma revolução»


Gerhard L. Müeller


Existe uma grande confusão hoje quando se fala de Lutero, e é preciso dizer claramente que do ponto de vista da teologia dogmática, do ponto de vista da doutrina da Igreja não foi de fato uma reforma, mas uma revolução, ou seja uma mudança total dos fundamentos da fé católica. Não é realístico sustentar que a sua intenção fosse somente de lutar contra alguns abusos das indulgências ou contra os pecados da Igreja do renascimento. Abusos e ações más sempre existiram na Igreja, não somente no período do Renascimento, e também hoje existem. Somos a Igreja santa por causa da graça de Deus e dos sacramentos, mas todos os homens de Igreja são pecadores, todos têm necessidade do perdão, da contrição, da penitência.
Esta distinção é muito importante. E no livro escrito por Lutero em 1520, “De captivitate Babylonica ecclesiae”, aparece absolutamente claro que Lutero deixou detrás de si todos os princípios da fé católica, da Sagrada Escritura, da Tradição apostólica, do magistério do Papa e dos Concílios, do episcopado. Neste sentido, destruiu o conceito de desenvolvimento homogêneo da doutrina cristã, assim como era explicado na Idade Média, chegando a negar o sacramento como sinal eficaz da graça que nele está contida; substituiu esta eficácia objetiva dos sacramentos com uma fé subjetiva. Aqui Lutero aboliu cinco sacramentos, também negou a Eucaristia: o caráter sacrifical do sacramento da Eucaristia, e a real conversão da substância do pão e do vinho na substância do corpo e do sangue de Jesus Cristo. E ainda: definiu o sacramento da ordem episcopal, o sacramento da ordem, uma invenção do Papa – definido como Anticristo – e não parte da Igreja de Jesus Cristo. Nós dizemos, ao invés, que a hierarquia sacramental, em comunhão com o sucessor de Pedro, é elemento essencial da Igreja católica, não somente um princípio de uma organização humana.
Por isto não podemos aceitar que a reforma de Lutero seja definida como uma reforma da Igreja em sentido católico. A reforma católica é uma reforma que é uma renovação da fé vivida na graça, na renovação dos costumes, da ética, uma renovação espiritual e moral dos cristãos; não uma nova fundação, uma nova Igreja.
É por isso inaceitável afirmar que a reforma de Lutero “foi um evento do Espírito Santo”. É o contrário, foi contra o Espírito Santo. Porque o Espírito Santo ajuda a Igreja a conservar a sua unidade através do magistério da Igreja, sobretudo no serviço do ministério Petrino: sobre Pedro, somente, Jesus fundou a Sua Igreja (Mt 16, 18) que é “a Igreja do Deus vivo, coluna e sustento da verdade” (1Tm 3, 15). O Espírito Santo não contradiz a si mesmo.
Escutamos tantas vozes que falam com muito entusiasmo de Lutero, não conhecendo exatamente a sua teologia, a sua polêmica e os efeitos desastrosos deste movimento que representou a destruição da unidade de milhões de cristãos com a Igreja católica. Não podemos valorizar positivamente a sua boa vontade, a lúcida explicação dos mistérios da fé comum mas não as suas afirmações contra a fé católica, sobretudo naquilo que se refere aos sacramentos e à estrutura hierárquica-apostólica da Igreja.
Não é correto nem mesmo afirmar que Lutero tinha inicialmente boas intenções, entendendo dizer com isto que foi depois a atitude da Igreja a colocá-lo na estrada errada. Não é verdadeiro: Lutero tinha sim intenção de lutar contra o comércio das indulgências, mas o objetivo não era a indulgência como tal, mas enquanto elemento do sacramento da penitência.
Nem é nem mesmo verdadeiro que a Igreja tenha rejeitado o diálogo: Lutero teve primeiro uma disputa com Giovanni Eck, depois o Papa enviou como legado o cardeal Gaetano para dialogar com ele. Pode-se discutir sobre modalidades, mas quando se trata da substância da doutrina, se deve afirmar que a autoridade da Igreja não cometeu erros. Pois se não fosse assim, se deveria sustentar que a Igreja ensinou por mil anos erros na fé, quando sabemos – e isto é elemento essencial da doutrina – que a Igreja não pode errar na transmissão da salvação nos sacramentos.
Não se deve confundir erros pessoais, os pecados das pessoas da Igreja com erros na doutrina e nos sacramentos. Quem o faz acredita que a Igreja seja somente uma organização feita de homens e nega o princípio que o próprio Jesus fundou a sua Igreja e a protege na transmissão da fé e da Graça nos sacramentos através do Espírito Santo. A Sua Igreja não é uma organização somente humana: é o corpo de Cristo, onde existe a infalibilidade do Concílio e do Papa em modalidades precisamente descritas. Todos os concílios falam da infalibilidade do magistério, na proposição da fé católica. Na confusão destes nossos dias em tantos chegaram a virar de cabeça para baixo a realidade: consideram que o papa é infalível quando fala privadamente, mas depois quando os papas de toda a história propuseram a fé católica dizem que é falível.
Certo, se passaram 500 anos, não é mais o tempo da polêmica mas da procura da reconciliação: não porém a custa da verdade. Não se deve fazer confusão. Se, por um lado devemos saber colher a eficácia do Espírito  Santo nestes outros cristãos não católicos que têm boa vontade, que não cometeram pessoalmente este pecado da separação da Igreja, por outro lado não podemos mudar a história, o que aconteceu há 500 anos. Uma coisa é o desejo de ter boas relações com os cristãos não católicos de hoje, com a finalidade de aproximar-nos de uma plena comunhão com a hierarquia católica e com a aceitação também da tradição apostólica segundo a doutrina católica; outra coisa é a incompreensão ou a falsificação do que aconteceu há 500 anos e do efeito desastroso que se deu. Um efeito contrário à vontade de Deus: “...todos sejam uma só coisa; como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, estejam eles em nós, para que o mundo creia que me enviastes” (Jo 17,21).

terça-feira, 24 de outubro de 2017

12 setembro 2006. Uma data para ser recordada


SE FÉ E RAZÃO NÃO ESTÃO JUNTAS, O CATOLICISMO SE TORNA UMA OUTRA COISA

Corre o risco de se tornar uma praxe sem conteúdos, uma pastoral sem doutrina, um humanismo sem Cristo, um estar junto sem saber por que, um diálogo sem anúncio, uma caridade sem verdade, um pluralismo sem unidade, uma ética sem dogmas, uma consciência vazia de conteúdos, um como sem um porquê.



Esta data, da qual acontece o décimo primeiro aniversário, permaneceu e permanecerá na história. Naquele dia, Bento XVI fez na Universidade de Regensburg o discurso talvez mais importante de todo o seu pontificado (até mesmo Giuseppe Vacca, o diretor do Instituto Gramsci, disse que qualquer pessoa de cultura deve ter lido quatro discursos do Papa Bento: Regensburg, o discurso aos Bernardins de Paris, aquele da Sapienza de Roma e aquele ao Parlamento alemão).

O DISCURSO DE REGENSBURG
O discurso de Regensburg, mesmo na sua brevidade, é de uma suma inteligência cristã e pode encontrar aplicação em todos os âmbitos da vida de fé. Ele se refere, de fato, a um tema de teologia fundamental: a relação entre a razão e a fé. Tema irritante em um tempo no qual nem as religiões, nem a própria razão, creem mais na importância desta relação. Bento atingia no coração seja o relativismo das sociedades ocidentais que de verdade não querem mais ouvir falar, sejam as religiões que mal impostam o problema, como o Islam e o protestantismo. 
Como se recordará, logo depois o discurso de Regensburg se levantou uma grande nuvem de poeira: o mundo islâmico protestou violentamente contra o Papa. Ele, em seguida, confessou candidamente que não pensou nas consequências políticas do que diria, que em todo caso permanece e permanecerá, apesar da nuvem de poeira. A frase central era aquela pronunciada pelo imperador do oriente, de fé cristã, a um pensador muçulmano durante um diálogo filosófico-teológico: “Aquilo que é contra a razão não vem do verdadeiro Deus”. Como se sabe, para o Islam Deus é Vontade onipotente ao qual se deve cega e literal obediência. Eis porque eles se sentiram atingidos vivamente. Mas a culpa não era do papa Bento, era da realidade das coisas.

UMA FÉ SEM RELIGIÃO
A atenção geral foi dirigida pela mídia somente sobre este aspecto do discurso de Regensburg e ninguém fez perceber que daquele discurso vinha à luz também o protestantismo e, sobretudo, o catolicismo secularizado que desejaria acordar-se com um mundo sem verdade. Não é inútil acenar para isso agora, enquanto recordamos os 500 anos da Reforma. Sobre este ponto as diferenças entre a religião de Lutero e a católica são muito fortes e o papa Bento colocava o protestantismo dentro do processo de corrosão da relação entre a razão e a fé própria do Ocidente, considerando-o objetivamente como aliado ao catolicismo secularizado. Uma implícita e objetiva advertência ao percurso ecumênico. 
Do discurso de Regensburg, naturalmente, nascia não tanto uma crítica quanto, sobretudo uma grande proposta de amplo respiro que não deve ser esquecida. Caso não se mantenha juntas a fé e a razão, o catolicismo corre o risco de mudar o próprio DNA. Corre o risco de se tornar uma fé sem religião, uma praxe sem conteúdo, uma pastoral sem doutrina, um humanismo sem Cristo, um estar juntos sem saber por que, um catolicismo sem missão, um diálogo sem anúncio, uma caridade sem verdade, um pluralismo sem unidade, uma ética sem dogmas, uma consciência vazia de conteúdos, um como sem um porquê.