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segunda-feira, 26 de julho de 2021

ENTRE fogueiras de hoje e história: Canadá e escolas para indígenas, a Igreja bode expiatório

Luca Marcolivio

Umas vinte igrejas, muitas católicas, queimadas ou vandalizadas no Canadá depois da descoberta de túmulos anônimos de crianças. Na origem existe o papel nas escolas residenciais desejadas pelo governo desde o XIX século para a assimilação dos indígenas canadenses, freqüentemente mortos, em carência de ajuda, por doenças e fome. E hoje Trudeau ataca a Igreja, procurando fazer esquecer as culpas do Estado.

 


No Canadá está se consumando um confronto epocal entre Estado e Igreja. Entre fossas comuns que vieram à luz e igrejas queimadas, como frequentemente acontece, a verdade é escondida entre as dobras da História.

Já no final de maio, 215 restos de crianças nativas americanas tinham sido encontrados sepultados em uma fossa comum no terreno pertencente a uma antiga escola católica de Kamloops, na Columbia Britânica. A escola era um dos tantos colégios instituídos no XIX século para a educação dos pequenos nativos. Sabendo da notícia, durante o Ângelus de 7 de junho passado, papa Francisco tinha expresso a própria aproximação à comunidade católica e a todo o povo canadense traumatizado pela notícia chocante. O Pontífice tinha pedido que fosse esclarecido um fato que aumenta ulteriormente a consciência das dores e dos sofrimentos do passado.

 


Na Jornada Nacional das Populações Indígenas, celebradas no Canadá no dia 21 de junho passado, duas igrejas foram incendiadas. No espaço de um mês, aconteceram uns vinte incidentes aconteceram como incêndios e graves atos de vandalismo contra as igrejas, em grande parte católicas. Pelo menos dois dos episódios foram qualificados pela polícia canadense como possíveis incêndios dolosos. Não existe prova, pelo menos pelo momento, de um nexo de causalidade entre os dois fenômenos, especialmente porque o sudoeste do país foi atingido por uma onda de calor sem precedentes. Inverossímil, porém, pensar que as altíssimas temperaturas possam ter provocado também incêndios nos lugares de culto.

A segunda e mais relevante descoberta aconteceu em 23 de junho, junto ao ex Marieval Indian Residential School, na província do Saskatchewan. Não fossas comuns, mas 751 tumbas anônimas. A anunciar foi Cadmus Delorme, chefe da comunidade Cowessess. A notícia que centenas de tumbas sem nome foram encontradas na Cowessess First Nation é absolutamente trágica, mas não surpreendente, tinha twitado Perry Bellegarde, chefe nacional da Assembléia das Primeiras Nações.

Os representantes das mesmas Primeiras Nações esperam as desculpas formais da Igreja católica pelo papel que teve no sistema de escolas residenciais preparado naquele tempo pelo governo canadense. O genocídio cultural foi reconhecido em 2015 pela Comissão pela Verdade e reconciliação, segundo a qual se estima que seriam cerca de 6000 crianças mortas nestas escolas. Os pequenos alunos das escolas católicas ou de outras denominações cristãs, afirmam os acusadores, eram mantidos em condições higiênico-sanitárias assustadoras, maltratados, sujeitos à inculturação forçada e às vezes abusados.

O primeiro ministro canadense Justin Trudeau, desde o momento de sua posse, em 2015, acelerou o processo de investigação e deu impulso a uma série de iniciativas comemorativas pelas vítimas. Foi ainda Trudeau quem fez um pedido de desculpas formais por parte de Papa Francisco. Com o Pontífice, o primeiro ministro canadense disse ter falado pessoalmente, insistindo sobre o quanto seja importante não somente que peça desculpas, mas que o faça com os indígenas canadenses em solo canadense. Sei que o líder da Igreja Católica – acrescentou Trudeau – está explorando muito ativamente quais os passos que podem ser cumpridos.

Na realidade, alguns pedidos de perdão já chegaram, sem ordem particular, nos últimos trinta anos. Os primeiros a pedir desculpas da parte católica, em março de 1991, foram os bispos da Conferência episcopal e os superiores das ordens religiosas que tinham participado das escolas residenciais; depois, em julho do mesmo ano, foram as desculpas específicas dos Oblatos de Maria Imaculada, que tinham administrado a mencionada escola de Kamloops até 1969. Em 2009, também, o papa Bento XVI expressou “a sua dor pela angústia causada pela conduta deplorável de alguns membros da Igreja no Canadá. Depois das descobertas das últimas semanas, o arcebispo de Vancouver, monsenhor Michael Miller, se desculpou sinceramente e profundamente com os sobrevividos e as suas famílias, bem como com todas as pessoas sucessivamente atingidas, pela angústia causada pela conduta deplorável daqueles católicos que perpetraram maus-tratos de qualquer tipo nestas escolas residenciais. O prelado acusou a política colonialista que no passado provocou devastações a crianças, famílias e comunidades.

No entanto, um passo concreto em direção à reconciliação poderá ser o encontro entre o papa Francisco e as comunidades indígenas canadenses, programado para os dias entre 17 e 20 de dezembro.  A Conferência episcopal do Canadá participará do encontro no Vaticano, junto a representantes das Primeiras Nações, Métis e Inuit. Louvando o esforço do Pontífice em escutar as populações indígenas e a responder aos seus sofrimentos, os prelados expressaram a sincera esperança que estes próximos encontros portem a um futuro compartilhado de paz e harmonia entre os povos indígenas e a Igreja católica no Canadá.

Mas, é realmente somente a Igreja a ter que pedir perdão? A realidade dos fatos é, como acenado, mais complexa. As escolas das fossas comuns e dos cemitérios de massa não são escolas católicas qualquer, mas eram denominadas escolas de assimilação: a partir de 1863, os institutos, mantidos pelos católicos  ou membros de outras confissões cristãs, foram destinados a inculturação de cerca de, aproximadamente, 150.000 crianças indígenas no total. Boa parte dos pequenos alunos foi retirada das famílias, em nome de um projeto de molde colonialista, cujo primeiro impulso, porém, foi do governo canadense. Dezesseis dioceses participaram do projeto e, e a um certo ponto, cerca de 60-70% das escolas de assimilação eram católicas.

A última escola residencial foi fechada definitivamente em 1998. Por quanto possam ter acontecido episódios de violência direta, segundo algumas reconstruções, muitas crianças morreram de fome, de frio ou de doenças, por culpa da ineficiência do governo, que não fornecia suficientes auxílios às escolas.

Enquanto isso, no mês passado Trudeau reafirmou que aceitou a conclusão de uma investigação segundo a qual o Canadá teria cometido um genocídio cultural contra as populações indígenas. Não obstante a promessa de uma reconciliação em relação aos autóctones, nos primeiros anos de seu mandato, Trudeau gastou quase 100 milhões de dólares para desafiar em tribunal as Primeiras Nações. Salvo depois por projetar toda a culpa do genocídio cultural sobre a Igreja, quando, na realidade, as escolas incriminadas foram envolvidas em um projeto de matriz eminentemente governativa, financiado pelo estado canadense.

Também na Igreja, em todo caso, existe quem rejeita de dar uma de bode expiatório. O mesmo presidente da Conferência episcopal canadense, monsenhor Richard Gagnon, arcebispo de Winnipeg, em uma recente homilia, disse sem rodeios: Existe uma perseguição em curso. Segundo Gagnon, o papel da Igreja, neste acontecimento, teria sido turvado por numerosos exageros e idéias falsas. Afirmações que, como era previsível, suscitaram um vespeiro de polêmicas, em particular entre as comunidades nativas.

Uma história muito triste, em que, no banco dos acusados permanece sempre e somente um sujeito: a Igreja. Sobre a responsabilidade do Estado existe ainda silêncio ensurdecedor.

 

Fonte: Canada e scuole per indigeni, la Chiesa capro espiatorio - La Nuova Bussola Quotidiana (lanuovabq.it)