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terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Novos mitos e idolatrias

 "Isto diz a ciência": um culto materialista e anti-científico

Enzo Pennetta

Isto diz a ciência: esta é uma das frases que mais entrou no uso comum dos últimos anos. De um ponto de vista científico, não existe a ciência, se existe alguma coisa são os cientistas. Os quais, exatamente porque adotam um método científico, estão sempre prontos a colocar-se em discussão. O cientista é, por natureza, humilde, uma afirmação é científica somente se em um amanhã ela pode ser demonstrada como falsa. Todavia, desde o tempo de Bacon, existe uma idéia de ciência que se coloca no lugar da religião, como explicação de tudo. E é esta visão que prevalece, seja entre os comunistas órfãos do comunismo, seja entre os cristãos que se sentem adultos.

 


Isto diz a ciência: esta é uma das frases que mais entrou no uso comum nos últimos anos e sempre mais em nome da ciência são tomadas decisões sobre todos os aspectos da vida social. Isto torna necessário esclarecer o que esta signifique verdadeiramente ou se tenha realmente um sentido.

Antes de tudo deve ser dito que não existe um sujeito denominado a ciência, existem ao invés pessoas identificadas como cientistas que pronunciam afirmações que são científicas exatamente enquanto passíveis de contestação. O filósofo Karl Popper ensinava que uma afirmação não pode ser considerada cientifica se não fornece uma possibilidade de ser demonstrada falsa. Impedir a expressão de vozes críticas, eventualmente com a justificação da inadequação do interlocutor, é, portanto uma contradição se queremos nos mover no âmbito do método cientifico. O verdadeiro cientista além do mais responde a todos, deve ter a capacidade de explicar-se também com pessoas não competentes de cultura média, uma frase atribuída a Einstein afirma Você não compreendeu verdadeiramente algo se não sabe explicar a sua avó.

O verdadeiro cientista não é jamais arrogante, isto contrasta visivelmente com a atitude muitas vezes zombeteira de alguns expoentes da ciência que são chamados a confrontar-se publicamente com temas de impacto social, o prêmio Nobel para a física Richard Feynman afirmava que Ciência é crer na ignorância dos especialistas.

Isto diz a ciência enquanto afirmação dogmática não somente é por isto mesmo anticientífica,  mas é uma frase tornada possível somente por um lento, mas contínuo, trabalho de diminuição do nível escolar que levou a transmitir noções sempre menos compreendidas, até chegar a um valor dogmático. Um fenômeno descrito pelo escritor Aldous Huxley no seu O Mundo Novo quando, em relação à educação científica ministrada, faz um personagem dizer: Você não recebeu uma cultura científica e como conseqüência não pode julgar. A cultura científica é uma cultura da dúvida e é o oposto da fé na ciência.

A fé na ciência experimental vai de encontro ao seu fundador Galileu Galilei, graças ao qual é superado o princípio de autoridade, o ipse dixit, desde aquele momento ninguém poderia argumentar com um é verdadeiro porque o digo eu que sou uma autoridade. Mas nos mesmos anos a ciência se tornava um instrumento de poder na obra de Francis Bacon que, na sua utopia A Nova Atlântida, indicava os cientistas como novos sacerdotes e guias da sociedade. A ciência, em Bacon, se torna uma fé substituta que pode substituir a política e a ideologia. Isto aconteceu, por exemplo, com o fim do comunismo quando um sistema mitopoético cientista tomou o lugar da ideologia marxista. O caráter, necessariamente em comum, para esta substituição é a pretensão de oferecer uma salvação: se passa da salvação de classe do comunismo àquela física da ciência experimental, ambas unificadas  no materialismo.

A ciência se torna fé quando pretende, e, sobretudo lhe é dado o direito de se tornar explicação de todo quadro da realidade esquecendo que o limite epistemológico da ciência experimental é exatamente colocado na impossibilidade de fazer afirmações de sentido. Aceitar uma ciência como explicação de tudo é fazer uma escolha de fundo que nega o sentido. Jacques Monod no seu O acaso e a necessidade colocava como base da ciência o postulado de objetividade ou seja a rejeição sistemática de considerar a possibilidade de chegar ao conhecimento verdadeiro mediante qualquer interpretação dos fenômenos em termos de causas finais, confiar na ciência para explicar o mundo pressupõe portanto como escolha inicial o abandono de uma procura de sentido.

A ciência como instrumento único ou soberano para assumir decisões sobre a vida política e social de uma população é, portanto em si a escolha de uma falta de sentido e em definitivo a negação de uma mentalidade que atribui um valor à ética, ao transcendente e ao que é propriamente humano, é uma delegação a construir uma sociedade em base a princípios biofísicos. A sociedade científica como substituto da religião precisa de suas próprias tabuas da lei para venerar e respeitar, de sacerdotes e homens santos com túnicas brancas, de identificar transgressores e hereges, de manter os rituais próprios da sociedade religiosa e desenvolver uma linguagem própria feita de termos, símbolos, gestos que possuem um valor de identificação e reconhecimento.

O cientificismo atraiu os órfãos do marxismo e por isto é praticado também hoje exatamente por quem provém daquela tradição. Vote na ciência foi significativamente o slogan de um partido em uma recente campanha eleitoral. O risco do afirmar-se do cientificismo como substituto redutivo de uma teoria sobre o mundo se torna real quando uma precedente visão entra em crise ou simplesmente se enfraquece, uma frase referida ao final do comunismo afirmava: Stalin nos deixou em apuros... não temos mais nada além da perspectiva de modernizar o País.

O risco de um deslize semelhante pode esconder-se também em uma visão religiosa que se dirige exageradamente ao social distanciando-se do transcendente, que se faz discurso político, uma religiosidade adulta que se ocupa principalmente dos corpos não reconhecendo mais as necessidades profundas do espírito, que olha para o progresso pensando que a tradição seja algo de um passado que deve ser superado e talvez a ser esquecido.

Depois que Stalin deixou em apuros o comunismo a escolha de dirigir-se em direção ao cientificismo poderia aparecer a perspectiva também de uma religiosidade desiludida e reduzida a doutrina social, então o caminho percorrido pelos órfãos do comunismo poderia ser compartilhado por um cristianismo cansado, debruçado sobre o social e muito confiante em uma salvação biológica que provém da ciência.


Fonte: "Lo dice la scienza": un culto materialista e anti-scientifico - La Nuova Bussola Quotidiana (lanuovabq.it)