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terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A noite santa de 1914 que irmanou os soldados inimigos



Giovanni Fighera

Em 28 de julho de 1914, o Império austro-húngaro declara guerra ao Reino da Sérvia. Poucos dias mais tarde, em 4 de agosto, as tropas alemãs entram no território belga e avançam depois até a quarenta quilômetros de Paris. O general francês Joseph Simon Gallieni decide de enfrenar em campo aberto o inimigo na batalha do Marne. O avanço alemão é dessa forma bloqueado. Também na província de Flandres, em Ypres, se combate obstinadamente contra os alemães. Em breve tempo o sistema das alianças leva muitas potências a entrar no conflito.

Para a celebração do Natal de 1914, o Papa Bento XV pediu que fosse estipulada uma trégua entre as duas facções. Nem todos os Estados em guerra são favoráveis e o acordo não sancionado. Mas, exatamente em Ypres acontece uma trégua não oficial, que dura somente alguns dias, testemunhada por jornais, cartas, documentos fotográficos.

O que acontece naquela noite de Natal? Os soldados alemães acendem luzes sobre árvores de Natal e começam a entoar cantos natalinos: «Stille nacht, heilige nacht», ou melhor, “Noite Feliz, Noite Feliz”. Os ingleses respondem primeiro com um aplauso e depois com um coro de vozes menos virtuoso, mas não menos comovente em relação àquele alemão: «The first nowell the angel did say…». Os Alemães, por sua vez, aplaudem e depois prosseguem com o canto «O tannenbaum, o tannenbaum». A este ponto, o coro das vozes dos dois exércitos se une e os Alemães cantam a mesma canção em latim: «Adeste fideles».

Os Alemães mostram cartazes com as inscrições: «Feliz Natal» e «Não atirem, nós não atiraremos». E As opostas facções depõem as armas, trocam saudações e presentes, fotografias das famílias e do tempo de paz, jogam junto. É um fato surpreendente, inesperado, não imposto por Comandos supremos, mas que surge espontaneamente por um sentimento de irmandade dos soldados de ambos os lados: uma fenda de luz na escuridão da tragédia da guerra, que parece prefigurar a possibilidade de paz. Alemães e Ingleses não são assim diferentes, são unidos pela mesma experiência e pelo mesmo coração: brilha no fundo da alma de ambos o mesmo desejo de realização, que não pode ser totalmente aniquilado nem mesmo pela horripilante experiência da guerra. Da frente de combate chegam às casas dos familiares muitas cartas que narram este milagre da trégua de Natal. Os jornais censuram, ao invés, por muitos dias o acontecimento. Somente no último dia do ano, o «New York Times» traz a notícia. Então, em janeiro também os jornais britânicos ressaltam o fato, enquanto os alemães darão menos eco ao acontecimento, e os franceses o censuram totalmente.

Os Estados Maiores não somente condenam o acontecido, mas procuram também apagar os traços. O confraternizar com o  inimigo é considerado como traição. 

Recordará nas suas memórias o neto do Kaiser, o príncipe herdeiro Guglielmo di Prussia: «Kirchhoff, o cantor lírico que prestava serviço no staff do Comando, cantou as suas canções na noite santa nas trincheiras da frente (...). no dia sucessivo me contou que alguns soldados franceses subiram no parapeito e tinham continuado a aplaudir; no final também pediram o bis. E assim, em meio à amarga realidade da guerra em trincheira, com toda a sua frieza, um canto de Natal permitiu o milagre e criou uma ponte entre os homens».

Um livro intitulado La tregua di Natale. Lettere dal fronte. Natale 1914: una storia sorprendente nel racconto dei soldati che ne furono protagonisti (edizioni Lindau) – A trégua de Natal. Cartas da frente de combate. Natal de 1914: uma história surpreendente na narração dos soldados que foram protagonistas -, publicado  pela ocasião do centenário do evento, recolhe testemunhos dos soldados sobre aquele milagre. A maior parte daqueles soldados não retornará as suas casas.

Nós propomos a carta de um soldado inglês de nome Tom, que narra à irmã o fato surpreendente:

«Janet, cara irmã, são duas da manhã e a maior parte dos homens dormem nos seus buracos, mas eu não posso adormecer se antes não te escrevo sobre os maravilhosos acontecimentos da vigília de Natal.  Na verdade, o que aconteceu é quase uma fábula, e se não o tivesse visto com meus olhos, não acreditaria. Tente imaginar: enquanto tu e a família cantavam os hinos diante da lareira em Londres, eu fiz o mesmo com os soldados inimigos aqui nos campos de batalha da França! As primeiras batalhas fizeram tantos mortos, que ambos os lados se entrincheiraram, na espera dos reforços. Então ficamos principalmente nas trincheiras a esperar. Mas que espera tremenda! Esperamos a cada momento que se dê um ataque de artilharia sobre nós, matando e mutilando homens. E de dia não ousamos levantar a cabeça para fora da terra, por medo do atirador. E depois a chuva: cai quase todos os dias. Naturalmente acaba acumulando exatamente nas trincheiras, as quais devemos esgotar com panelas.

E com a chuva veio a lama onde afunda mais que o pé. Ela sobe e suja tudo e suga as botas. Um recruta teve os pés atolados na lama e, depois também as mãos quando tentou de salvar-se (...). com tudo isso, não podíamos fazer outra coisa senão experimentar curiosidades sobre os soldados alemães diante de nós. Além do mais, enfrentam os mesmos perigos que nós e, também eles estão na mesma lama. E a trincheira deles está somente a cinquenta metros diante de nós. Entre nós está a terra de ninguém, afiada dos dois lados por arame farpado, mas estão tão próximos que escutamos as vozes deles. Obviamente os odiamos quando matam os nossos companheiros.

Mas outras vezes rimos deles e sentimos de ter algo em comum. E agora resulta que eles têm os mesmos sentimentos. Ontem pela manhã, na vigília, tivemos a nossa primeira geada. Embora estivéssemos com frio, a saudamos com alegria, porque pelo menos endureceu a lama. Durante a jornada houve ataques da fuzilaria. Mas, quando a tarde chegou, os disparos pararam inteiramente. O nosso primeiro silêncio total há meses! Esperávamos que prometesse uma festa tranquila, mas não esperávamos o que aconteceu. Soldados que se confraternizaram fora das trincheiras. De repente um camarada me sacode e grita: “Vem ver! Vem ver o que fazem os alemães! Peguei o fuzil, fui até a trincheira e, com cautela, levantei a cabeça acima dos sacos de areia”. “Jamais acreditei de poder ver uma coisa tão estranha e comovente. Aglomerados de pequenas luzes brilhavam por toda a linha alemã, à direita e à esquerda, até perder de vista. ‘O que é?’ perguntei ao companheiro, e John respondeu: ‘Árvores de Natal!’ Era verdade. Os alemães tinham preparado árvores de Natal diante da trincheira deles, iluminadas com velas”. “E depois ouvimos as suas vozes que entoavam uma canção: «Stille nacht, heilige nacht…». O canto na Inglaterra não o conhecemos, mas John o conhece e o traduziu: “Noite Feliz, Noite Feliz”.

Jamais ouvi um canto mais belo e mais significativo naquela noite clara e silenciosa. Quando o canto terminou, os homens na nossa trincheira aplaudiram. Sim, soldados ingleses que aplaudiam os alemães! Depois um de nós começou a cantar, e nos sentimos todos unidos a ele: «The first nowell the angel did say…». Para dizer a verdade, não eram tão bons no canto como os alemães, com as suas belas harmonias. Mas, responderam com aplausos entusiasmados e, depois, entoaram outra: «O tannenbaum, o tannenbaum…». À qual nós respondemos com: «O come all ye faithful…». E desta vez se uniram ao nosso coro, cantando a mesma canção, mas em latim: «Adeste fideles…». “Ingleses e alemães que entoam em coro através da terra de ninguém!”. Não podia pensar em nada mais surpreendente, mas aquilo que aconteceu depois foi ainda mais. “Ingleses, venham para fora!”, os escutamos gritar, “vocês não atirem, nós não atiramos!”. Na trincheira olhamos um para o outro não sabendo o que fazer. Depois, um gritou por ironia: “Venham para fora vocês!”. Com nosso espanto, vimos duas figuras sair da trincheira de frente, atravessar o arame farpado e ir para o descoberto. Um deles disse: “Mande um oficial para acertar detalhes”. Vi um dos nossos com um fuzil apontado e, sem dúvida também outros fizeram o mesmo – mas o capitão gritou “Não disparem!”. Depois subiu para fora da trincheira e foi ao encontro dos alemães na metade do caminho. Os ouvimos falar e poucos minutos depois o capitão retornou, com um cigarro alemão na boca! Ao mesmo tempo grupos de dois ou três homens saiam das trincheiras e vinham em nossa direção.

Alguns de nós também saíram e em poucos minutos estávamos na terra de ninguém, estendendo as mãos a homens que tinham tentado nos matar poucas horas antes. Acendemos uma grande fogueira e, nós todos em torno, ingleses em caqui e alemães em cinza. Devo dizer que os alemães estavam vestidos melhor, com as fardas preparadas para a festa. Somente um pequeno grupo dos nossos fala o alemão, mas muitos alemães sabiam o inglês. A um deles eu perguntei como isso é possível. “Muitos de nós trabalhamos na Inglaterra”, respondeu. “Antes disto estive como garçom no Hotel Cecil”. “Talvez tenha servido sua mesa!”. “Talvez!”, respondi rindo. Me disse que tinha uma namorada em Londres e que a guerra interrompeu o seu projeto de matrimônio. E eu lhe disse: “Não se preocupe, antes da Páscoa derrotaremos vocês e, você poderá retornar a esposá-la”. Começou a rir, depois me perguntou se poderia enviar um cartão para a namorada e, eu o prometi. Um outro alemão tinha sido carregador de bagagens na Victoria Station.

 Me fez ver as fotos da sua família que está em Mônaco. Também aqueles que não conseguiam falar trocavam presentes, os seus charutos com os nossos cigarros, nós o chá e eles o café, nós a carne enlatada e eles as salsichas. Trocamos insígnias e botões, e um dos nossos conseguiu até o capacete! Eu também troquei um canivete com um cinturão de couro, uma bela recordação que te mostrarei quando retornar para casa. Nos deram por certo que a França está no final e a Rússia quase desmoronando. Nós descordamos deles dizendo que não era verdadeiro, e eles, “Está bem, vocês acreditam nos seus jornais e nós, nos nossos”. É claro que lhes falam dos fardos, mas depois de tê-los encontrado também eu me pergunto até que ponto os nossos jornais dizem a verdade. Estes não são os “bárbaros selvagens” sobre os quais tínhamos lido tanto. São homens com casas e famílias, medos e esperanças e, sim, amor pela pátria. Ou seja, são homens como nós. Como conseguiram nos fazer crer que eram diferentes? Como já era tarde, cantamos juntos outras canções em torno à fogueira e, terminamos entoando juntos – não estou mentindo - «Auld Lang Syne».

Depois, nos separamos com a promessa de reencontrar-nos no outro dia e, talvez organizar uma partida de futebol. E enfim, minha irmã, já houve uma vigília de Natal com esta na história? Pelos combates aqui, naturalmente, significa pouco infelizmente. Estes soldados são simpáticos, mas cumprem ordens e nós fazemos o mesmo. Além disso, estamos aqui para parar o exército deles e fazê-los voltar para casa e, não desistiremos desta missão. Ainda assim, não se pode não pensar o que aconteceria se o espírito que se revelou aqui fosse assumido pelas nações do mundo. Obviamente, conflitos devem sempre surgir. Mas o que aconteceria se os nossos governantes trocassem votos de felicidade ao invés de ultimatos? Canções ao invés de insultos? Dons ao invés de represálias? Não acabariam todas as guerras? 

 Teu caro irmão, Tom”.


Fonte:

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O presépio segundo São Francisco



 
O modelo por excelência do presépio cristão é o primeiro presépio preparado por São Francisco de Assis em Greccio no ano de 1223.

Hoje, dada a escassez da cultura cristã, há sempre menos conhecimento desta informação histórica fundamental e, entre os poucos que a têm em mente, poucos conhecem as narrações detalhadas das Fontes Franciscanas (FF). Ora, destas FF vem à tona que não somente São Francisco preparou pela primeira vez um presépio, fazendo reviver as tradições antigas e adaptando-as à sensibilidade dos novos tempos, mas, sobretudo que São Francisco era preocupado em recriar um precioso contexto do qual brotassem ricos frutos espirituais.

Portanto, a leitura das FF, em particular de Tomás de Celano,  pode proporcionar-nos diversas surpresas agradáveis e frutos que devem ser consequência disto. Certo, não se trata necessariamente de repetir os acontecimentos de então, mas de assimilar deles o espírito. Exporemos a narração em três fases diferentes e sucessivas, que parecem bem marcadas pelo texto.

Primeira fase: o “ver” e as pessoas vivas. Deixemos que fale a narração: “Havia naquele lugar um homem de nome João, de boa fama e de vida ainda melhor, e era muito caro ao beato Francisco porque, mesmo sendo nobre e muito honrado na sua região, estimava mais a nobreza do espírito que a da carne. Por volta de duas semanas antes da festa do Natal, o beato Francisco, como frequentemente fazia, o chamou e lhe disse: ‘Se queres que celebremos em Greccio o Natal de Jesus, precede-me e prepara o que te digo: desejaria representar o Menino nascido em Belém, e em algum modo ver com os olhos do corpo as dificuldades com as quais se encontrou por falta das coisas necessárias a um recém nascido, como foi colocado em um berço e como ficava sobre o feno entre o boi e o burro’. Assim que o escutou, o fiel e piedoso amigo foi com solicitude preparar no lugar designado tudo o que aconteceu, segundo o desígnio exposto pelo Santo” (Tomás de Celano, Primeira vida de São Francisco de Assis 1,30,84 em FF 468).

Em seguida, o presépio se concretizou nas imagens e tais são os nossos presépios, mesmo se não totalmente porque, ainda que raros, existem ainda presépios vivos (como acontece com a dramatização da Paixão na semana santa). Para São Francisco, no entanto, o presépio era feito por pessoas e fiéis, como do texto – o fiel João – e como do texto seguinte que falará de um grande número de pessoas. Também hoje, deveria ser normal que aqueles que crêem preparassem o presépio e exatamente a partir da fé que têm.

Não somente, São Francisco queria “ver” o fato histórico, a cena evangélica, a condição humana e pobre do nascimento do Redentor. Portanto, duas preocupações ou inspirações: o anseio visual, mas também a “correção visual” inspirada nos Evangelhos. A “correção visual” sempre foi substancialmente conservada na tradição, porém, hoje começa a desmoronar enquanto o presépio, às vezes, se torna como... os carros de carnaval de Viareggio (ndt.: cidade italiana conhecida pelo seu carnaval) onde se coloca tudo contanto que seja atual: personagens políticos ou de referência cristã de hoje, personagens fantásticos, personagens ideológicos até aos presépios homossexuais. Com este procedimento ressurge a tendência de ver mais a nós mesmos que a Jesus e, no final, é o mesmo procedimento dos “abusos” na liturgia que se repetem com análogos “abusos” no presépio. Mas a mensagem do presépio de São Francisco vai em outra direção: ver e ver corretamente. 

Segunda fase: não somente representação histórica e emotiva, mas celebração e conversão. Na realidade, a representação foi uma celebração onde regularmente e até mesmo com particular intensidade se desenvolve o ministério da pregação que deu o sentido ao acontecimento, evitando que este sentido se conseguisse unicamente guiado pela emotividade fruto de uma Belém reconstruída cenicamente.

Deixemos que fale a narração: “e chegou o dia da alegria, o tempo de exultação! Para a ocasião foram aqui convocados muitos frades de várias partes; homens e mulheres chegam em festa das fazendas da região, trazendo cada um segundo as suas possibilidades, velas e tochas para iluminar aquela noite, na qual se acendeu esplêndida no céu a Estrela que iluminou todos os dias e os tempos. Chega ao final Francisco: vê que tudo está predisposto segundo o seu desejo, e está radiante de alegria. Agora é colocado o berço e dentro dele o feno, então trazem o boi e o burro. Naquela cena comovente resplandece a simplicidade evangélica, se louva a pobreza, se recomenda a humildade. Greccio se tornou como uma nova Belém. (...) O Santo fica estático diante do presépio, o espírito vibrante de compulsão e de alegria inefável. Depois o sacerdote celebra solenemente a Eucaristia sobre o presépio”. Aqui a versão de São Boaventura precisa que São Francisco, dada a prática restritiva sobre a celebração fora dos edifícios cultuais, “para que isso não fosse atribuído a desejo de novidade, pediu e obteve primeiro a permissão do Sumo Pontífice” (Legenda Maior 10,7 em FF 1186).

Retomemos a narração de Tomás de Celano. Francisco experimenta uma consolação jamais experimentada antes e ao mesmo tempo “se revestiu de paramentos diaconais, porque era diácono, e canta com voz sonora o santo Evangelho: aquela voz forte e doce envolve todos em desejos do céu. Depois fala ao povo e com palavras dulcíssimas reevoca o recém-nascido Rei pobre e a pequena cidade de Belém. Frequentemente quando queria nominar Jesus Cristo, cheio de amor celeste o chamava o Menino de Belém, e aquele nome Belém o pronunciava enchendo a boca de voz e ainda mais de terno afeto, produzindo um som como o balar da ovelha. E cada vez que dizia Menino de Belém ou Jesus, passava a língua sobre os lábios, quase provando e retendo toda a doçura daquelas palavras” (Ivi, 1,30,85-6 em FF 469-470).

Não somente. Outra passagem porta a conversão de muitos presentes quando a um homem virtuoso – talvez o mesmo João – parece que Francisco agita o Menino de um sono profundo e isto era imagem do que estava acontecendo “porque, pelos méritos do Santo, o menino Jesus vinha ressuscitado nos corações de muitos, que tinham esquecido, e a recordação dele permanecia impressa profundamente na sua memória. Terminada aquela vigília solene, cada um retornou para casa cheio de inefável alegria” (Ivi, 1,30,86 em FF 470).

Portanto, o presépio se concretiza no sacramento da Eucaristia e na pregação de São Francisco, que em tal modo manifesta publicamente e intensamente o seu amor e a sua fé no Redentor. E desta benéfica contaminação nascem conversões, retornos à vida cristã. Também hoje o presépio – na sua preparação e na sua definitiva apresentação – requer naqueles que o preparam uma ligação com a Palavra e com a Eucaristia e com a conversão. Mas fala também destas coisas àqueles que o olham, porque, quem está fora do fato cristão – ou porque não o vive ou porque não é cristão – não pode não perguntar-se por qual motivo algumas pessoas criaram tal cena e quem é o protagonista. E como nada acontece por acaso, da não fé ou pouca fé de alguns se explica a proibição de fazer o presépio em lugares públicos: porque não se quer manifestar a própria fé muito fraca ou ausente, porque se quer promover uma sociedade sem Jesus Cristo apoiados em um “respeito” pelos outros aos quais o presépio jamais os agrediu, mas aos quais colocou algumas interrogações, aos quais pede a fé, conversão, escuta da Palavra, frequência aos Sacramentos. Exatamente como o presépio de São Francisco.

Terceira fase: daquilo que passa àquilo que permanece, do presépio  a uma igreja, de uma só noite à normalidade sacramental. A “noite do presépio” de São Francisco devia concluir-se. Como os nossos presépios, que a um certo ponto são desmontados. Mas a conclusão de Tomás de Celano nos guia à definitiva evolução do presépio de Francisco em direção à estabilidade da vida cristã:

“Hoje (1228) aquele lugar foi consagrado ao Senhor e sobre o presépio foi construído um altar e dedicada uma igreja em honra de São Francisco, para que ali onde naquele tempo os animais comeram o feno, agora os homens possam comer, como alimento da alma e santificação do corpo, a carne do Cordeiro imaculado e sem mancha, Jesus Cristo nosso Senhor, que com amor infinito doou a si mesmo por nós”  (Ivi, 1,30,87 em FF 471).

Em face a atual experiência de igrejas vazias e utilizadas para uso profano – porque faltam os fiéis – o presépio de São Francisco floresceu em uma nova igreja para prolongar o encontro sacramental com Jesus Cristo. É a mensagem final para o nosso presépio, destinado a aumentar a fé de quem o fez e de quem o contempla, aos quais o presépio pede, se não exatamente a construção de uma nova igreja, pelo menos de novamente frequentar aquelas quase vazias.

São Francisco vele sobre nossos presépios, nos preserve dos abusos de acréscimo desnecessário de personagens e de cenografias estranhas, converta o coração de certos diretores e administradores para que permitam ao presépio de existir e de colocar interrogações; nos faça transitar pelo presépio de imagens (ou semelhantes) ao encontro sacramental com Jesus Cristo. E será verdadeiramente um Feliz Natal!

FONTE:

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Aconteceu realmente em um 25 de dezembro*



9 julho 2003 :: Corriere della Sera, de Vittorio Messori



O dia de Nossa Senhora da Assunção não está tão distante e eu devo já fazer reparações. Acontece, de fato, que em um momento de mau humor – e exatamente neste jornal – se tenha desejado que a Igreja decida de fazer uma mudança no calendário: transferir para o 15 de agosto a celebração de 25 de dezembro. Um natal no deserto das férias de verão (Ntd.: na Europa, o mês de agosto coincide com o verão e com o período de férias), dizia, nos livraria das insuportáveis luminárias, dos exagerados trenós com renas e papais-noéis, até mesmo das saudações e dos presentes. Quando todos estiverem fora (Ntd.: por motivo das viagens de férias), quando as cidades estiverem vazias, para quem – e para onde – enviar cartões e entregar pacotes com fitas? Não são os próprios bispos a gritar contra aquele tipo de orgia consumista à qual reduziram os nossos Natais? E agora, desloquemos os comerciantes, transfiramos tudo para o 15 de agosto. Isso, observava, não parece impossível: de fato, não foi a necessidade histórica, foi a Igreja a escolher o 25 de dezembro para contrastar e substituir as festas pagãs nos dias de solstício de inverno. O nascimento de Cristo no lugar do renascimento do Sol Invictus. No início, portanto, houve uma decisão pastoral que pode ser mudada, variando segundo as necessidades.

Uma provocação, obviamente, que se baseava naquilo que é (ou melhor, era) pacificamente admitido por todos os estudiosos: a colocação litúrgica do Natal é uma escolha arbitrária, sem nenhuma relação com a data do nascimento de Jesus, que ninguém seria capaz de determinar. Ainda assim, parece que os experts tenham errado; e eu, obviamente, com eles. Na realidade hoje, também graças aos documentos de Qumran, temos a capacidade de estabelecer a data com precisão: Jesus nasceu exatamente em um 25 de dezembro. Uma descoberta verdadeiramente extraordinária e que não se pode suspeitar que seja por objetivos apologéticos cristãos, visto que a devemos a um professor, hebreu, da Universidade de Jerusalém. 

Tentemos compreender o mecanismo, que é complexo e ao mesmo tempo fascinante. Se Jesus nasceu em um 25 de dezembro, a concepção virginal aconteceu, obviamente, 9 meses antes. E, de fato, os calendários cristãos colocam em 25 de março a anunciação a Maria feita pelo anjo Gabriel. Mas, sabemos pelo mesmo evangelho de Lucas que exatamente seis meses antes Isabel tinha concebido o precursor, João, que será chamado o Batista. A Igreja católica não possui uma festa litúrgica para aquela concepção, enquanto as antigas Igrejas do Oriente a celebram solenemente entre o 23 e o 25 de setembro. E, portanto, seis meses antes da Anunciação a Maria. Uma sucessão de datas lógicas, mas baseada em tradições inverificáveis, não sobre eventos localizáveis no tempo. Assim acreditavam todos, até o tempo muito recente. Na realidade, parece exatamente que não seja assim.

De fato, é exatamente da concepção de João que devemos partir. O Evangelho de Lucas se abre com a história do casal idoso, Zacarias e Isabel, já resignado pela esterilidade, uma das piores desgraças em Israel. Zacarias pertencia à casta sacerdotal e, um dia que era de serviço no Templo de Jerusalém, teve uma visão de Gabriel (o mesmo anjo que seis meses depois se apresentará a Maria, em Nazaré) que lhe anunciava que, mesmo com a idade avançada, ele e a mulher teriam um filho. Deveriam chamá-lo de João e que ele seria “grande diante do Senhor”.

Lucas tem o cuidado de mostrar com precisão que Zacarias pertencia à classe sacerdotal de Abias e que quando houve a aparição “exercia as funções de sacerdote, na ordem de sua classe”. De fato, aqueles que no antigo Israel pertenciam à casta sacerdotal eram divididos em 24 classes que, alternando-se em ordem imutável, deviam prestar serviço litúrgico no templo por uma semana, duas vezes por ano. Sabemos que a classe de Zacarias, a de Abias, era a oitava, na relação oficial. Mas, quando ocorriam os seus turnos de serviço? Ninguém sabia. Então, utilizando também pesquisas feitas por outros especialistas e trabalhando, sobretudo, em textos encontrados na biblioteca essênia de Qumran, eis que o enigma foi violado pelo professor Shemarjahu Talmon que, como dizia, ensina na Universidade Hebraica de Jerusalém. O estudioso conseguiu determinar em que ordem cronológica se alternavam as 24 classes sacerdotais. A de Abias prestava serviço litúrgico no Templo duas vezes por ano, como as outras, e uma destas vezes era na última semana de setembro. Portanto, era provável a tradição dos cristãos orientais que coloca entre o 23 e o 25 de setembro o anúncio a Zacarias. Mas esta probabilidade se aproximou da certeza porque, estimulados pela descoberta do professor Talmon, os estudiosos reconstruíram a “série” daquela tradição, chegando à conclusão que ela provinha diretamente da Igreja primitiva, judeu-cristã, de Jerusalém. Uma memória tão antiga quanto tenaz, aquela das Igrejas do Oriente, como confirmada em muitos outros casos.  Eis, portanto, que o que parecia mítico assume, de repente, nova verossimilhança. Uma corrente de eventos que se estende por 15 meses: em setembro, o anúncio a Zacarias e no dia seguinte a concepção de João; em março, seis meses depois, o anúncio a Maria; em junho, três meses depois, o nascimento de João; seis meses depois, o nascimento de Jesus. Com este último evento chegamos exatamente ao 25 de dezembro. Dia que, portanto, não foi fixado por acaso.

Mas sim, parece exatamente que é impossível propor o Natal em 15 de agosto. Disto farei, portanto, reparação, ao invés de humilhado, bastante emocionado: depois de tantos séculos de pesquisa feroz, os evangelhos não cessam de reservar surpresas. Detalhes aparentemente inúteis (o que nos importava que Zacarias pertencesse à classe sacerdotal de Abias? Nenhum exegeta prestava atenção a isso) mostram de repente a sua razão de ser, o seu caráter de sinal de uma verdade escondida, mas precisa. Apesar de tudo, a aventura cristã continua. 

*título não original inserido pelo autor do site