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terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O presépio segundo São Francisco



 
O modelo por excelência do presépio cristão é o primeiro presépio preparado por São Francisco de Assis em Greccio no ano de 1223.

Hoje, dada a escassez da cultura cristã, há sempre menos conhecimento desta informação histórica fundamental e, entre os poucos que a têm em mente, poucos conhecem as narrações detalhadas das Fontes Franciscanas (FF). Ora, destas FF vem à tona que não somente São Francisco preparou pela primeira vez um presépio, fazendo reviver as tradições antigas e adaptando-as à sensibilidade dos novos tempos, mas, sobretudo que São Francisco era preocupado em recriar um precioso contexto do qual brotassem ricos frutos espirituais.

Portanto, a leitura das FF, em particular de Tomás de Celano,  pode proporcionar-nos diversas surpresas agradáveis e frutos que devem ser consequência disto. Certo, não se trata necessariamente de repetir os acontecimentos de então, mas de assimilar deles o espírito. Exporemos a narração em três fases diferentes e sucessivas, que parecem bem marcadas pelo texto.

Primeira fase: o “ver” e as pessoas vivas. Deixemos que fale a narração: “Havia naquele lugar um homem de nome João, de boa fama e de vida ainda melhor, e era muito caro ao beato Francisco porque, mesmo sendo nobre e muito honrado na sua região, estimava mais a nobreza do espírito que a da carne. Por volta de duas semanas antes da festa do Natal, o beato Francisco, como frequentemente fazia, o chamou e lhe disse: ‘Se queres que celebremos em Greccio o Natal de Jesus, precede-me e prepara o que te digo: desejaria representar o Menino nascido em Belém, e em algum modo ver com os olhos do corpo as dificuldades com as quais se encontrou por falta das coisas necessárias a um recém nascido, como foi colocado em um berço e como ficava sobre o feno entre o boi e o burro’. Assim que o escutou, o fiel e piedoso amigo foi com solicitude preparar no lugar designado tudo o que aconteceu, segundo o desígnio exposto pelo Santo” (Tomás de Celano, Primeira vida de São Francisco de Assis 1,30,84 em FF 468).

Em seguida, o presépio se concretizou nas imagens e tais são os nossos presépios, mesmo se não totalmente porque, ainda que raros, existem ainda presépios vivos (como acontece com a dramatização da Paixão na semana santa). Para São Francisco, no entanto, o presépio era feito por pessoas e fiéis, como do texto – o fiel João – e como do texto seguinte que falará de um grande número de pessoas. Também hoje, deveria ser normal que aqueles que crêem preparassem o presépio e exatamente a partir da fé que têm.

Não somente, São Francisco queria “ver” o fato histórico, a cena evangélica, a condição humana e pobre do nascimento do Redentor. Portanto, duas preocupações ou inspirações: o anseio visual, mas também a “correção visual” inspirada nos Evangelhos. A “correção visual” sempre foi substancialmente conservada na tradição, porém, hoje começa a desmoronar enquanto o presépio, às vezes, se torna como... os carros de carnaval de Viareggio (ndt.: cidade italiana conhecida pelo seu carnaval) onde se coloca tudo contanto que seja atual: personagens políticos ou de referência cristã de hoje, personagens fantásticos, personagens ideológicos até aos presépios homossexuais. Com este procedimento ressurge a tendência de ver mais a nós mesmos que a Jesus e, no final, é o mesmo procedimento dos “abusos” na liturgia que se repetem com análogos “abusos” no presépio. Mas a mensagem do presépio de São Francisco vai em outra direção: ver e ver corretamente. 

Segunda fase: não somente representação histórica e emotiva, mas celebração e conversão. Na realidade, a representação foi uma celebração onde regularmente e até mesmo com particular intensidade se desenvolve o ministério da pregação que deu o sentido ao acontecimento, evitando que este sentido se conseguisse unicamente guiado pela emotividade fruto de uma Belém reconstruída cenicamente.

Deixemos que fale a narração: “e chegou o dia da alegria, o tempo de exultação! Para a ocasião foram aqui convocados muitos frades de várias partes; homens e mulheres chegam em festa das fazendas da região, trazendo cada um segundo as suas possibilidades, velas e tochas para iluminar aquela noite, na qual se acendeu esplêndida no céu a Estrela que iluminou todos os dias e os tempos. Chega ao final Francisco: vê que tudo está predisposto segundo o seu desejo, e está radiante de alegria. Agora é colocado o berço e dentro dele o feno, então trazem o boi e o burro. Naquela cena comovente resplandece a simplicidade evangélica, se louva a pobreza, se recomenda a humildade. Greccio se tornou como uma nova Belém. (...) O Santo fica estático diante do presépio, o espírito vibrante de compulsão e de alegria inefável. Depois o sacerdote celebra solenemente a Eucaristia sobre o presépio”. Aqui a versão de São Boaventura precisa que São Francisco, dada a prática restritiva sobre a celebração fora dos edifícios cultuais, “para que isso não fosse atribuído a desejo de novidade, pediu e obteve primeiro a permissão do Sumo Pontífice” (Legenda Maior 10,7 em FF 1186).

Retomemos a narração de Tomás de Celano. Francisco experimenta uma consolação jamais experimentada antes e ao mesmo tempo “se revestiu de paramentos diaconais, porque era diácono, e canta com voz sonora o santo Evangelho: aquela voz forte e doce envolve todos em desejos do céu. Depois fala ao povo e com palavras dulcíssimas reevoca o recém-nascido Rei pobre e a pequena cidade de Belém. Frequentemente quando queria nominar Jesus Cristo, cheio de amor celeste o chamava o Menino de Belém, e aquele nome Belém o pronunciava enchendo a boca de voz e ainda mais de terno afeto, produzindo um som como o balar da ovelha. E cada vez que dizia Menino de Belém ou Jesus, passava a língua sobre os lábios, quase provando e retendo toda a doçura daquelas palavras” (Ivi, 1,30,85-6 em FF 469-470).

Não somente. Outra passagem porta a conversão de muitos presentes quando a um homem virtuoso – talvez o mesmo João – parece que Francisco agita o Menino de um sono profundo e isto era imagem do que estava acontecendo “porque, pelos méritos do Santo, o menino Jesus vinha ressuscitado nos corações de muitos, que tinham esquecido, e a recordação dele permanecia impressa profundamente na sua memória. Terminada aquela vigília solene, cada um retornou para casa cheio de inefável alegria” (Ivi, 1,30,86 em FF 470).

Portanto, o presépio se concretiza no sacramento da Eucaristia e na pregação de São Francisco, que em tal modo manifesta publicamente e intensamente o seu amor e a sua fé no Redentor. E desta benéfica contaminação nascem conversões, retornos à vida cristã. Também hoje o presépio – na sua preparação e na sua definitiva apresentação – requer naqueles que o preparam uma ligação com a Palavra e com a Eucaristia e com a conversão. Mas fala também destas coisas àqueles que o olham, porque, quem está fora do fato cristão – ou porque não o vive ou porque não é cristão – não pode não perguntar-se por qual motivo algumas pessoas criaram tal cena e quem é o protagonista. E como nada acontece por acaso, da não fé ou pouca fé de alguns se explica a proibição de fazer o presépio em lugares públicos: porque não se quer manifestar a própria fé muito fraca ou ausente, porque se quer promover uma sociedade sem Jesus Cristo apoiados em um “respeito” pelos outros aos quais o presépio jamais os agrediu, mas aos quais colocou algumas interrogações, aos quais pede a fé, conversão, escuta da Palavra, frequência aos Sacramentos. Exatamente como o presépio de São Francisco.

Terceira fase: daquilo que passa àquilo que permanece, do presépio  a uma igreja, de uma só noite à normalidade sacramental. A “noite do presépio” de São Francisco devia concluir-se. Como os nossos presépios, que a um certo ponto são desmontados. Mas a conclusão de Tomás de Celano nos guia à definitiva evolução do presépio de Francisco em direção à estabilidade da vida cristã:

“Hoje (1228) aquele lugar foi consagrado ao Senhor e sobre o presépio foi construído um altar e dedicada uma igreja em honra de São Francisco, para que ali onde naquele tempo os animais comeram o feno, agora os homens possam comer, como alimento da alma e santificação do corpo, a carne do Cordeiro imaculado e sem mancha, Jesus Cristo nosso Senhor, que com amor infinito doou a si mesmo por nós”  (Ivi, 1,30,87 em FF 471).

Em face a atual experiência de igrejas vazias e utilizadas para uso profano – porque faltam os fiéis – o presépio de São Francisco floresceu em uma nova igreja para prolongar o encontro sacramental com Jesus Cristo. É a mensagem final para o nosso presépio, destinado a aumentar a fé de quem o fez e de quem o contempla, aos quais o presépio pede, se não exatamente a construção de uma nova igreja, pelo menos de novamente frequentar aquelas quase vazias.

São Francisco vele sobre nossos presépios, nos preserve dos abusos de acréscimo desnecessário de personagens e de cenografias estranhas, converta o coração de certos diretores e administradores para que permitam ao presépio de existir e de colocar interrogações; nos faça transitar pelo presépio de imagens (ou semelhantes) ao encontro sacramental com Jesus Cristo. E será verdadeiramente um Feliz Natal!

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