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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

E se Jesus nunca tivesse nascido?




As raízes da nossa civilização estão plantadas nEle e sem Ele simplesmente não existiriam. Eis algumas simples pílulas:

HOSPITAIS
O florescimento dos hospitais e do cuidado aos doentes nasce da fé, da identificação do pobre e do doente com Cristo sofredor. Na sua vida terrena, Jesus curou corpos e almas e Ele mesmo se assumiu os sofrimentos sobre si, como diziam os teólogos medievais: “Christus medicus et infirmus”. Existe também m modo de entender o homem no seu valor intrínseco e de ver no corpo não – como acreditava Platão – um invólucro, imagem de uma prisão(Cratilo, 400 C), mas o componente físico da pessoa humana, pela primeira vez concebida e apreciada em modo unitário. Os numerosos hospitais nascidos na Idade Média, em geral junto a mosteiros, eram chamados Domus Dei, Casa de Deus. Na América Latina, na Ásia e na África os primeiros hospitais foram fundados pelas missões católicas e protestantes e ainda hoje a presença das Igrejas cristãs nesse âmbito ocupa um papel importante em não poucos países. (F. Agnoli)

DIGNIDADE DAS CRIANÇAS
Com a difusão do cristianismo, aborto e infanticídio se tornam culturalmente inaceitáveis e, portanto fenômenos mais raros e circunscritos. Se no Império romano a exposição dos recém nascidos não desejados era difusa, os cristãos condenavam tais práticas como homicídio. Como chegou a dizer Justino Mártir (100-165 d.C.), nos ensinaram que é ato mau expor até mesmo os recém nascidos (...) porque em tal caso seríamos considerados assassinos(citado em “Writings of Saints Justin Martyr, Christian Heritage 1948). As legislações, a partir de Constantino, vetam o infanticídio e ajudam as famílias necessitadas para que não recorram à venda dos seus filhos por motivos econômicos. (fonte)

DIGNIDADE DA MULHER
Uma das grandes novidades historicamente relevantes trazidas pelo cristianismo se refere à concepção sobre a mulher. Normalmente considerada secundária e mantida marginalizada, pelo menos na linha do direito, no mundo grego; sob perpétua tutela do homem, pai e marido, no mundo romano; refém da força masculina, entre os povos germânicos; passível de repúdio e juridicamente inferior no mundo hebraico; vítima de infinitos abusos e violências, incluindo o infanticídio, na China e Índia; forma inferior de reencarnação no hinduísmo tradicional; submetida à poligamia, humilhante afirmação da sua inferioridade, no mundo islâmico e animista; vítima junto a diferentes culturas de verdadeiras e próprias mutilações físicas; submetida ao repúdio do homem, em todas as culturas antigas, a mulher se torna com o cristianismo criatura de Deus, igualmente ao homem. (Francesco Agnoli, fonte)

MATRIMÔNIO
O matrimônio cristão é necessariamente monogâmico e indissolúvel. Ele, portanto, subentende e implica a igual dignidade dos esposos: não é lícito a um homem ter mais mulheres, no seu gineceu ou no seu harém! Não é lícito, em virtude da sua maior força, repudiar a mulher, como se fosse um objeto, nem substituí-la com escravas! E nem meso, obviamente, o contrário. Toda a história da igreja, no que se refere à moral conjugal, tende a salvar exatamente esta igual dignidade: vetando obviamente todo antigo direito de vida ou de morte do homem sobre a mulher; tutelando o quanto possível o livre consenso dos esposos, já a partir dos primeiros séculos quando Agostinho recorda que a intervenção dos genitores não é de direito divino, ou seja, que não é necessário, como para os antigos, e acrescenta humoristicamente que de outro modo Adão deveria ter sido apresentado a Eva pelo seu Pai; elevando a idade do matrimônio da mulher (que para os romanos eram normalmente os doze anos) e, portanto a sua responsabilidade e liberdade; dificultando o quanto possível a possibilidade dos pais de violar a liberdade dos filhos, e em particular de decidir qual o marido para a filha; combatendo o hábito dos matrimônios combinados, sobretudo entre os nobres; contrastando de qualquer maneira os matrimônios forçados, em que normalmente era a mulher a vítima; impedindo, neste caso tutelando a saúde dos filhos, os matrimônios entre consangüíneos... (F. Agnoli, fonte)

ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO
Se de fato somos todos filhos do mesmo Pai, é claro que se deve reconhecer a nossa igualdade diante dEle. Por isto Marc Bloch nota justamente que somente sentar um junto do outro, durante a liturgia divina, patrões e escravos cristãos, foi uma revolução cultural imensa. O escravo, filho também ele do Pai Nosso, não era menos que uma porta (Plutarco), nem mesmo um mero instrumento vocal (Catone), mas era, nada menos que filho de Deus. Assim, na Carta de Barnabé se podia ler: Não comandar amargamente à escravidão ou ao teu escravo que esperam no mesmo Deus, onde não te aconteça de não temer a Deus que está sobre ti e sobre eles; analogamente Lactâncio afimava que patrões e servos são pares porque irmãos, enquanto Clemente Alexandrino ensinava: Os escravos devem usar como nós usamos nós mesmos, já que são homens como nós, e Deus é igual para todos, livres e escravos. Foi da visão teológica cristã, portanto, que derivou a progressiva desintegração do escravismo romano, que era já em crise, mas não certamente defunto; foi por esta fé que Constantino vetou a crucificação, os jogos de gladiadores nos estádios, onde os escravos eram devorados pelas feras, a marca por fogo sobre os próprios escravos  e a venda de crianças expostas. (F. Agnoli, fonte)

ECONOMIA
O costume proto-cristão de falar de salvação da alma em termos econômicos conduziu o Ocidente antes de tudo a padronizar o uso de linguagens econômicas fortemente próprias da teologia, ou se preferir estruturados a partir dos vocábulos jurídicos do comércio, e em segundo lugar ou à divulgação de uma racionalidade econômica claramente orientada em sentido religioso, ou seja codificada em termos de ritualidade religiosa. Se a procura de um lucro e o aumento de um capital monetário assim como a competência de um cambista podiam valer como modelo lógico de referência para todos quantos, como cristãos, pretendiam acumular um patrimônio de boas práticas coletivas que depois, investido e multiplicado, se traduziria na felicidade eterna, disto resultava que a dinâmica dos mercados e as lógicas do investimento rentável vinham a encontrar-se no centro da vida pública dos cristãos não somente por razões de utilidade mas também e sobretudo por razões metodológicas e religiosas, inerentes estruturalmente à identidade cívica e política de quantos se diziam cristãos. (...) Dois fenômenos históricos foram, todavia, decisivos no processo que conduziu gradualmente esta definição sacralizada das relações de mercado a afirmar-se como linguagem corrente da experiência econômica e política: a difusão das instituições monásticas e a colaboração, ou melhor, dizendo a fusão político-religiosa que se realizou na Europa entre poderes eclesiásticos e poderes régios e imperiais. (G. Todeschini, fonte)

CIÊNCIA NATURAL
Resulta determinante o espírito com o qual se põe diante do mundo material. O cristão crê que o mundo é bom. A matéria foi ulteriormente enobrecida pela encarnação, enquanto que o Verbo se fez carne e veio habitar em meio a nós (Jo 1,14). A matéria é ordenada e racional, porque foi criada por um Deus fonte de racionalidade. No Livro da Sabedoria lemos que o Criador tudo dispôs segundo a medida, cálculo e peso (Sb 11,20), uma das frases da Bíblia mais citadas durante a Idade Média. A ordem do mundo material é fruto de uma livre escolha de Deus. Ele teria podido criar o mundo em muitas outras maneiras, mas escolheu de criá-lo assim. Isto indica a importância das nossas convicções teológicas em relação ao nosso modo de conceber o mundo material. Atribui-se a Deus, ao mesmo tempo, a racionalidade e a liberdade. Se pusermos muita insistência sobre sua racionalidade em detrimento da sua liberdade, nos encontramos então diante de um mundo fechado e necessário, sem nenhuma possibilidade de ciência. Se, pelo contrário, se acentua muito fortemente a liberdade de Deus em detrimento da sua racionalidade, estaremos diante de um mundo totalmente imprevisível e, mais uma vez, sem nenhuma possibilidade de ciência. Os cristãos crêem que a ordem da natureza seja acessível à mente humana e crêem que seja possível adquirir conhecimento sobre o mundo, porque Deus ordenou ao homem de dominar a terra. (Peter E. Hodgson, Disf)

POLÍTICA
A idéia de bem comum e de lei natural, corroboradas pela Revelação, estão na base dos sistemas políticos cristãos. Sistemas que são bem representados pela célebre expressão de Jesus, enquanto lhe é perguntado se seja justo pagar as taxas a Roma: Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Esta fórmula é muito densa e, é preciso livrá-la de uma banalização típica da era contemporânea. Ela fala certamente da necessidade de não confundir e sobrepor a Igreja ao Estado, o Papa ao imperador. Mas não para aqui, como desejaria o pensamento laico e liberal contemporâneo. Antes de tudo, Nosso Senhor ordena de dar a Deus o que lhe é devido, e isto deveria recair antes de tudo sobre cada soberano, seja este um rei ou um parlamento. Deste modo, a fé exerce um papel público inegável, e se propõe como guia do Estado para reconhecer o verdadeiro bem. A história demonstra que, sem esta bússola, os estados escorregam sempre no mais desumano relativismo. Por outro lado, Jesus recorda ao cristão que é seu dever ser um leal súdito do poder constituído, contanto que a autoridade não seja iníqua e respeite a Igreja e o bem comum com as suas leis e os seus decretos. Esta admirável lição do cristianismo esteve na base de séculos de ordenamentos políticos, mesmo se hoje o mundo – sob este perfil – objetivamente entrou por uma estrada completamente diferente. (M. Palmaro, Il Timone, dicembre 2013)

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