A Igreja teve certa
dificuldade para ler o evento da pandemia em chave estritamente teológica. A teologia contemporânea substituiu a
concepção tradicional da criação de Deus que criou as coisas do nada e de um tudo
que é misteriosamente ordenado para o fim da salvação. Esta não aceita mais
esta visão da criação, mas sobre a linha traçada pelo jesuíta padre Teilhard de
Chardin para o qual não é mais a criação a derivar de Deus, mas Deus da
evolução do cosmo. Assumindo esta impostação se torna impossível referir uma
pandemia a Deus criador.
É surpreendente o quanto consiga
fazer um micro-organismo como o covid-19: pode até mesmo submeter à prova a
visão cristã da criação, ou melhor, colocar em confronto duas concepções
teológicas da criação, aquela de sempre e aquela da teologia contemporânea de
ponta.
Muitos notaram que a Igreja teve certa dificuldade para ler o
evento da pandemia em chave estritamente teológica, dentro da história da
salvação e na ótica da salus animarum.
Não faltaram as orações de ajuda ao Céu, os devotos pedidos de intercessão
Mariana, mas jamais como pedido de ajuda na provação que como ocasião de
revisão de vida, seja pessoal, seja comunitária. Em outros termos, a epidemia
foi considerada principalmente somente como um fato natural e se pediu ao Céu a
ajuda para enfrentar o desastre natural.
A concepção tradicional de criação era aproximadamente a mesma: Deus criou as coisas do nada, portanto
Ele é a Causa primeira e o Fim último. Consequentemente tudo é por Ele desejado
e permitido para um bem maior. O bem maior último é a salvação eterna das
almas, portanto tudo é misteriosamente ordenado a este fim. Nenhum evento é,
portanto somente natural, exatamente porque a natureza não é uma entidade
autônoma em relação a Deus, mas também os eventos naturais têm a ver, direta ou
indiretamente, com a salvação.
Eles devem, portanto ser colocados em relação com o pecado dos
homens, seja com a situação decaída depois do pecado das origens, seja com os
pecados atuais. Não com os pecados contra a natureza (os eco-pecados), mas os
pecados contra Deus. É, então, lícito, e antes obrigação, que a Igreja guie
também para uma reflexão deste tipo e relacione os perigos que vêm da natureza
ao desígnio providencial de Deus para a nossa salvação. Estes, portanto podem e
devem ser interpretados também como convite à conversão e à purificação espiritual.
A teologia contemporânea, porém não aceita mais esta visão da
criação. Sobre a linha traçada pelo jesuíta padre Teilhard de Chardin, existe
um movimento de evolução do imperfeito ao mais perfeito e Cristo é o Ponto
Ômega desta evolução. Para Santo Tomás era certo que o mundo não fosse eterno, exatamente
porque foi criado do nada, mesmo se não era demonstrável segundo ele um seu
início.
Agora, ao invés, o mundo é um processo tendente sempre ao melhor
cujo vértice é Cristo. Poderia se dizer que não é mais a criação a derivar de
Deus, mas Deus da evolução do cosmo. Um princípio fundamental da metafísica
cristã era que o mais não vem do menos.
Na nova visão, ao invés, o mais pode vir do menos, porque a matéria
pode produzir a forma. A matéria, como sustentado por muitos – pensemos, por
exemplo, em Ernst Bloch – não é somente matéria mas possui uma dinamicidade
interna que a permite de gerar as formas. Segundo Teilhard isso é evidente no
homem: nele a matéria produz o espírito, se trata do famoso processo de “hominização”. O homem é um produto
da evolução, não foi criado diretamente por Deus através do seu Sopro de vida,
mas foi criado indiretamente de dentro do processo de criação-evolução. Por
fim, a alma pode ter esta origem, não obstante Pio XII na Humani generis tenha confirmado a doutrina oposta.
O mesmo deve dizer-se – antes com maior razão – para a criação segundo
Karl Rahner. Pensar em Deus que cria do nada em sentido metafísico – segundo
ele – significa interpretar Deus segundo as categorias com as quais
interpretamos as coisas deste mundo e comparar Deus a um artesão que cria a sua
obra. Para usar as suas palavras, seria pensar em sentido categorial e não transcendental.
Deus opera somente através das causas segundas e não mediante uma
intervenção direta, portanto cria de dentro da natureza e de dentro da
história, em modo evolucionista. Nós não temos um sentido de dependência de
Deus porque Deus nos criou, mas Deus nos criou porque amadurecemos
evolucionisticamente um sentido de dependência de Deus. Todas as categorias
teológicas, inclusive aquela da criação, amadurecem historicamente e
evolutivamente. Até mesmo Jesus Cristo não sabia que era Deus, mas amadureceu
tal convicção progressivamente.
Assumindo esta impostação se torna impossível referir uma pandemia
a Deus criador, pelo menos por tê-la permitido, e, portanto o seu significado
para nós pode ser somente natural e não transmitir uma mensagem sobrenatural,
seria ainda mais uma vez transferir para o plano divino as nossas categorias
mentais adaptadas ao invés a este mundo.
A única leitura cristã que se pode fazer se refere ao esforço
natural no confronto de uma coisa natural, porque Deus se manifesta de modo
evolucionista na natureza e na história, precisamente no seu significado
natural histórico. Uma visão transcendente, “do ponto
de vista de Deus”, ligada ao fim da salvação das almas
seria não idônea e incompreensível para o homem contemporâneo que a acusaria de
magia.
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