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quinta-feira, 7 de maio de 2020

Criação e PANDEMIA: O coronavirus e a mudança de teologia sobre a criação

Stefano Fontana

A Igreja teve certa dificuldade para ler o evento da pandemia em chave estritamente teológica.  A teologia contemporânea substituiu a concepção tradicional da criação de Deus que criou as coisas do nada e de um tudo que é misteriosamente ordenado para o fim da salvação. Esta não aceita mais esta visão da criação, mas sobre a linha traçada pelo jesuíta padre Teilhard de Chardin para o qual não é mais a criação a derivar de Deus, mas Deus da evolução do cosmo. Assumindo esta impostação se torna impossível referir uma pandemia a Deus criador.




É surpreendente o quanto consiga fazer um micro-organismo como o covid-19: pode até mesmo submeter à prova a visão cristã da criação, ou melhor, colocar em confronto duas concepções teológicas da criação, aquela de sempre e aquela da teologia contemporânea de ponta.

Muitos notaram que a Igreja teve certa dificuldade para ler o evento da pandemia em chave estritamente teológica, dentro da história da salvação e na ótica da salus animarum. Não faltaram as orações de ajuda ao Céu, os devotos pedidos de intercessão Mariana, mas jamais como pedido de ajuda na provação que como ocasião de revisão de vida, seja pessoal, seja comunitária. Em outros termos, a epidemia foi considerada principalmente somente como um fato natural e se pediu ao Céu a ajuda para enfrentar o desastre natural.

A concepção tradicional de criação era aproximadamente a  mesma: Deus criou as coisas do nada, portanto Ele é a Causa primeira e o Fim último. Consequentemente tudo é por Ele desejado e permitido para um bem maior. O bem maior último é a salvação eterna das almas, portanto tudo é misteriosamente ordenado a este fim. Nenhum evento é, portanto somente natural, exatamente porque a natureza não é uma entidade autônoma em relação a Deus, mas também os eventos naturais têm a ver, direta ou indiretamente, com a salvação.

Eles devem, portanto ser colocados em relação com o pecado dos homens, seja com a situação decaída depois do pecado das origens, seja com os pecados atuais. Não com os pecados contra a natureza (os eco-pecados), mas os pecados contra Deus. É, então, lícito, e antes obrigação, que a Igreja guie também para uma reflexão deste tipo e relacione os perigos que vêm da natureza ao desígnio providencial de Deus para a nossa salvação. Estes, portanto podem e devem ser interpretados também como convite à conversão e à purificação espiritual.

A teologia contemporânea, porém não aceita mais esta visão da criação. Sobre a linha traçada pelo jesuíta padre Teilhard de Chardin, existe um movimento de evolução do imperfeito ao mais perfeito e Cristo é o Ponto Ômega desta evolução. Para Santo Tomás era certo que o mundo não fosse eterno, exatamente porque foi criado do nada, mesmo se não era demonstrável segundo ele um seu início. 

Agora, ao invés, o mundo é um processo tendente sempre ao melhor cujo vértice é Cristo. Poderia se dizer que não é mais a criação a derivar de Deus, mas Deus da evolução do cosmo. Um princípio fundamental da metafísica cristã era que o mais não vem do menos.

Na nova visão, ao invés, o mais pode vir do menos, porque a matéria pode produzir a forma. A matéria, como sustentado por muitos – pensemos, por exemplo, em Ernst Bloch – não é somente matéria mas possui uma dinamicidade interna que a permite de gerar as formas. Segundo Teilhard isso é evidente no homem: nele a matéria produz o espírito, se trata do famoso processo de hominização. O homem é um produto da evolução, não foi criado diretamente por Deus através do seu Sopro de vida, mas foi criado indiretamente de dentro do processo de criação-evolução. Por fim, a alma pode ter esta origem, não obstante Pio XII na Humani generis tenha confirmado a doutrina oposta.

O mesmo deve dizer-se – antes com maior razão – para a criação segundo Karl Rahner. Pensar em Deus que cria do nada em sentido metafísico – segundo ele – significa interpretar Deus segundo as categorias com as quais interpretamos as coisas deste mundo e comparar Deus a um artesão que cria a sua obra. Para usar as suas palavras, seria pensar em sentido categorial e não transcendental.

Deus opera somente através das causas segundas e não mediante uma intervenção direta, portanto cria de dentro da natureza e de dentro da história, em modo evolucionista. Nós não temos um sentido de dependência de Deus porque Deus nos criou, mas Deus nos criou porque amadurecemos evolucionisticamente um sentido de dependência de Deus. Todas as categorias teológicas, inclusive aquela da criação, amadurecem historicamente e evolutivamente. Até mesmo Jesus Cristo não sabia que era Deus, mas amadureceu tal convicção progressivamente.

Assumindo esta impostação se torna impossível referir uma pandemia a Deus criador, pelo menos por tê-la permitido, e, portanto o seu significado para nós pode ser somente natural e não transmitir uma mensagem sobrenatural, seria ainda mais uma vez transferir para o plano divino as nossas categorias mentais adaptadas ao invés a este mundo.

A única leitura cristã que se pode fazer se refere ao esforço natural no confronto de uma coisa natural, porque Deus se manifesta de modo evolucionista na natureza e na história, precisamente no seu significado natural histórico. Uma visão transcendente, do ponto de vista de Deus, ligada ao fim da salvação das almas seria não idônea e incompreensível para o homem contemporâneo que a acusaria de magia.



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