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terça-feira, 25 de setembro de 2018

China, proibida a evangelização on line



Giulia Tanel

Na China, a perseguição contra os fiéis se faz sempre mais forte. Na ordem temporal, uma das últimas medidas foi  a emanação, em 10 de setembro passado, das Medidas para a gestão das informações religiosas na Internet. Em concreto, apresenta a Cna, estas novas regras determinam que “aqueles grupos ou igrejas que desejam manter um site religioso terão necessidade de uma licença dada pelo governo que certifique que o conteúdo é politicamente aceitável. A evangelização on line é severamente proibida, assim como os materiais destinados à conversão dos leitores. O material de catequese ou instrução não pode ser publicado online, como também deve ser limitado às redes internas às quais se acessa com nome de usuários e senhas registradas”. Limitando a análise somente ao mundo católico chinês, isto significa que para 12 milhões de católicos será sempre mais difícil antes de tudo cultivar a própria fé, alcançando conteúdo formativo, mas também ser “a luz do mundo” (Mt 5,13) para a conversão de tantos corações.

Tudo isso é realizado em favor da afirmação do credo político comunista e da identidade nacional. É de fato esta direção imposta pelo presidente Xi Jinping, e acelerado desde fevereiro deste ano, com “amplas mudanças na política religiosa do governo”, influenciadas também por um contextual aumento de poder do presidente, depois de algumas revisões a nível constitucional. Esta nova direção levou, nos últimos meses, ao fechamento de várias igrejas, à proibição para as crianças “de frequentar os serviços religiosos”, a queimar Bíblias e até a episódios de “cristãos obrigados a assinar declarações de renúncia da própria fé”.

A propósito Bob Fu, fundador e presidente da China Aid, organização não governamental cristã sem fim lucrativo que se concentra na sensibilização sobre abusos dos direitos humanos, declarou: “Agora que o Partido Comunista Chinês começou a queimar Bíblias e obrigar milhões de pessoas de fé cristã e de outras minorias religiosas a assinar até mesmo um compromisso escrito para renunciar suas crenças religiosas de base, a comunidade internacional deveria alarmar-se e ofender-se por esta evidente violação da liberdade religiosa e pedir ao regime chinês de parar e remediar esta perigosa rota”.

Como se percebe desta declaração, a ser ameaçados na sua liberdade fundamental não são somente os cristãos, mas também alguns grupos muçulmanos.

E que a situação seja alarmante é dito também em um relatório publicado pela  Human Rights Watch, em 9 de setembro, no qual considera que o governo criou uma rede de “campos de educação política”, que conta já milhares de pessoas detidas.  Um dado que suscitou a atenção da América, que está pensando em “tomar em consideração a imposição de sanções à China em resposta ao programa de detenção e reeducação”.

O que a China está procurando fazer, de fato, além de ser como foi dito um violento ataque à liberdade, é até mesmo uma tentativa de anular a identidade das pessoas. Deseja-se impor um modelo de vida de modo que não seja possível pensar de existir fora de determinados parâmetros decididos pelo governo, que obviamente não contemplam a possibilidade de levar adiante um credo religioso (cristão ou muçulmano, pouco importa) e uma identidade que não seja a nacional. Um projeto que, como declarado ao  New York Times pelo senador Marco Rubio, está se realizando “em uma escala que não estou seguro de ter visto na era moderna”.

 
Fonte:

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Puerocentrismo: o fim de um mito?



Luc Ferry, o ministro-filósofo francês, escandalizou recentemente o mundo pedagógico ao afirmar, sem rebuços, o que, afinal, todos já sabiam - ou deveriam saber -  mas não queriam que fosse declarado até para não terem de se convencer: a criança não deve demagogicamente ocupar o centro do sistema!

O que todos sabemos, com certeza, é que foi o chamado movimento da Escola Nova que, nos inícios do séc. XX e na sequência de uma interpretação reducionista da herança de Rousseau, impôs o pressuposto pedagógico (rapidamente tornado um tabu) da soberania da criança e, por consequência, do aluno.

Um advogado purismo pedagógico ? sedutor pela sua aura espontaneísta e contestatária ? rapidamente atraiu o fanatismo militante de muitos educadores-políticos que aí viram uma oportunidade de gerar uma revolução sem armas ou em que as armas eram as crianças, entretanto transformadas em rainhas por autênticos rituais de purificação escolar, tais como as assembleias gestionárias e os grupos de pesquisa, que, por si mesmos, assegurariam a autonomia dos alunos. No fundo, transferia-se para estes o que antes era apanágio dos professores, isto é, o poder.

Os professores, estigmatizados enquanto fiéis depositários das arbitrariedades de uma história marcada pelo dogmatismo, tiveram, no mínimo, de expiar as suas culpas, apagando-se no universo escolar. Tornaram-se guardiões da neutralidade cultural de espaços pedagógicos depurados, agradáveis e facilitadores da aprendizagem.

Se os contributos críticos do movimento da Escola Nova foram decisivos para a superação de muitas das rotinas da Sociedade e da Escola, é evidente também que a confusão que, desde o princípio, marcou o enovelamento do maximalismo dos slogans com o minimalismo das práticas, rapidamente impediu a autoavaliação e a autocrítica da coerência educativa das situações, de facto, vividas.

Mais espantoso, porém, é que a Escola Nova ? apesar dos seus fracassos ? instalou-se como uma alternativa crónica e, por isso, fossilizada. Ao chegar assim até aos nossos dias, inviabiliza sistematicamente a percepção das diferenças de sentido de novas propostas quer por parte de profissionais da educação que, por exemplo, com a pedagogia do projecto, acabam por obsessivamente repetir, pura e simplesmente, a não directividade própria daquele movimento, quer pelo lado dos detractores patológicos dessa não directividade que a perseguem como um pecado da Pedagogia.

Em tudo isto é espantoso que a Escola Nova seja sobretudo um fantasma que existe principalmente nos discursos dos seus mentores e nas diatribes dos seus adversários. Ela, na realidade, quase não existiu ? a não ser na medida em que os fantasmas se tornam reais - pois nunca as crianças foram livres e espontâneas, nem os adultos ? encavalitados aos seus ombros -  desapareceram da cena do poder.

Quais as consequências de tudo isto?

Muitas, mas de entre elas destacamos as seguintes:

  • As crianças, em fases do seu crescimento em que, para construírem solidamente a sua autonomia, necessitam da intervenção activa dos  educadores ? inclusive porque, em termos da adopção de valores éticos, são ainda heterónomas ? vêem-se prematuramente atiradas para desempenhos que exigem referenciais de um quadro de autonomia que efectivamente não possuem nem podem possuir a não ser  pela imposição de constrangimentos que, afinal, são violentos. 
  • As crianças, por efeito da assunção ideológica do repúdio à partida  legítimo de formas de exploração de que historicamente foram e são alvo, tornam-se presas de utopias lúdicas que as privam de uma relação emancipadora e educativamente exigente com o trabalho. Quando as exigências sociais do trabalho chegam, elas confrontam-se com incapacidades derivadas da persistência de vivências infantis unidimensionais que, entretanto, as infantilizaram e amarraram a fragilidades com que a sociedade, depois, não contemporiza.
  • As crianças, subordinadas ao lema do princípio do prazer, perdem as capacidades de sofrer, de resistir e de esperar. Sem cairmos numa perspectiva agónica da educação, a verdade é que não há pessoas integrais, nem sujeitos autênticos, que não sejam capazes de mobilizar, quando necessário, aquelas competências: precisamente para poderem ser livres, felizes e protagonistas das suas vidas. Caso contrário, as crianças virão a ser adultos que capitularam e os adultos crianças que o não são.
  • As crianças, sob a hegemonia do direito de aprender, ficam alienadas do dever de ser ensinadas como se a criatividade não emergisse necessariamente de uma concomitante transmissão e assimilação da herança cultural, como se Galileu não conhecesse o aristotelismo ou Picasso o realismo.
As crianças, assim, não são o que são: crianças agora, adultos amanhã, possíveis adultos que serão as crianças que foram. O puerocentrismo foi, afinal, é bom não o esquecer, mais uma invenção dos adultos. De adultos eternamente assolados por uma culpa de que, se calhar, nem sequer são responsáveis, mas de que as crianças são, com certeza, vítimas.
As crianças não estão no centro do sistema. Estão na sua mira.



Fonte:
https://www.apagina.pt/?aba=7&cat=123&doc=9415&mid=2