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quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Compreender o presente: Um espectro circunda a Igreja: a gnose


A heresia gnóstica é camaleônica, se camufla, é multiforme, líquida e difícil de enquadrar. Contorna os obstáculos e assim se reapresenta na história, saindo dos percursos perigosos. E retornou a ameaçar a Igreja para mudá-la por dentro.

 

Parafraseando as primeiras palavras do Manifesto de Marx, podemos perguntar-nos se um espectro circunda a Igreja: a gnose. As velhas heresias, jamais verdadeiramente vencidas, atacam ainda? Contra elas combateram Hipólito, Justino, Irineu, Clemente, Agostinho. Contra a gnose cátara lutaram Inocêncio III, São Domingos, Simone de Montfort. Santo Tomás combateu a gnose com as suas Summae, e São Boaventura lutou contra os Joaquimitas e Espirituais dentro da ordem franciscana. Em Trento, os Padres conciliares contrastaram a gnose presente na reforma. Pio X enfrentou a gnose modernista. Perguntamos: quem luta hoje contra a gnose?

A heresia gnóstica é camaleônica, se camufla, é disfarçada, líquida e difícil de enquadrar. Contorna os obstáculos e assim se reapresenta na história, livrando-se de percursos difíceis. Traveste-se de cristianismo e quer transformar a Igreja a partir do seu interior. Basta pouco para substituir a palavra Logos com a palavra Gnose, mas São João diz que no princípio era o Logos e não a Gnose. Esta quer uma salvação sem conversão, se opõe à ordem do criado, despreza a lei, odeia o matrimônio e a procriação e celebra a sexualidade estéril, separa o corpo do espírito e acha que se pode ser puro ainda que na luxúria, transforma a Mensagem em uma fórmula exotérica que, conhecida, é capaz de salvar-nos, quer plasmar novamente a realidade, procura o novo contra a tradição, contrapõe espírito e letra, anuncia um futuro milenarista, pensa em uma evolução dos dogmas.

Marcião, no segundo século depois de Cristo, fundou uma igreja gnóstica. Ele pensava que ao Deus do Antigo Testamento, criador, legislador, juiz, se contrapusesse o Deus do Novo Testamento, manso, piedoso e misericordioso. A lei antiga do Decálogo teria sido substituída e anulada pela nova lei das Bem-aventuranças, de modo que seria possível ser de Cristo não respeitando as Tábuas da Lei. Um cristianismo não normativo, mas guiado pela espontaneidade leve do Espírito, uma Igreja carismática não sobrecarregada pela lei e pelo direito. Uma Igreja espiritual sem o peso da doutrina enquanto expressão não do Logos mas da Gnose. Uma Igreja em permanente revolução dentro de si mesma porque não sujeita à camisa de força da autoridade, mas da amorosa caridade e da misericórdia. Uma Igreja onde ninguém condene mais nada, para não se assemelhar ao falso deus do Antigo Testamento. Uma Igreja aberta ao futuro enquanto tal, não atenta a conservar o próprio passado. Aberta a todos e não cuidadosa de suas próprias fronteiras.

Quando na história da Igreja mudamos os paradigmas filosóficos e teológicos, é preciso sempre perguntar-nos se por detrás existam também causas espirituais e religiosas, se não existam heresias, a adoração de falsos deuses ou falsas adorações de Deus, além de falsos conceitos. Caso se diga que a doutrina evolui, que as barreiras doutrinais entre as religiões devem ser abatidas, que precisa correr em direção a uma única religião porque no fundo adoramos todos o mesmo Deus, que se celebra a religião da humanidade tendo no centro o homem e não Deus, se é invertida a relação entre a doutrina e a práxis, entre a norma e a situação, entre a lei e a consciência, entre a contemplação e a ação, se é feito apelo à Mãe Terra ao invés do Criador, se é aceita a sexualidade intencionalmente estéril como se fosse um valor, se é cultivada uma visão pagã da natureza ainda que se de um paganismo evoluído e sofisticado, se acredita-se que a salvação possa circular o depósito da fé conservado e transmitido fielmente pela Igreja... então significa que há tempo não somente mudou um paradigma de pensamento, um modo de ver as coisas pelo qual hoje se aceita o que ontem se condenava e se ensina o que ontem era proibido, mas quer dizer que pelas fissuras entrou um espírito novo de tipo religioso.

Com o passar do tempo, a gnose se materializou também em movimentos sociais, culturais, políticos. Todos os messianismos políticos possuem um fundo gnóstico. Todos os movimentos revolucionários também. A gnose iluminista dessacralizou a religião, aquela romântica destruiu a lei moral sobre o altar do sentimento, aquela comunista destruiu a verdade substituída pela práxis política, aquela de sessenta e oito agrediu a autoridade. Todas destruíram a ordem e produziram um futuro sobre as cinzas da ordem, ou seja, uma desordem. Também a Igreja pode viver a desordem, se se cofia ao sincretismo, se é invertida a relação entre pastoral e doutrina, se consulta a situação social antes do evangelho de sempre, se cede ao sentimento e renuncia a razão, se nega a justiça com a misericórdia, se nega, para dizer com o cardeal Caffarra, que a lógica da Providência divina conduza cada homem ao seu fim, respeitando a condição natural da própria criatura.


Stefano Fontana será um dos convidados do 7° Festival Nacional de Fé e Cultura (PROGRAMA E INSCRIÇÕES) que acontecerá em Verona, no 25 de novembro próximo, no Centro "Fortunata Gresner". 

 
Fonte:
http://www.lanuovabq.it/it/uno-spettro-si-aggira-per-la-chiesa-la-gnosi

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