A revista “Il Timone”publicou no número de novembro de 2014 o artigo de
Stefano Fontana intitulado “Sopra la democrazia c’è Dio” (Acima da docracia
está Deus), pp.39-41, ao interno de um Dossier dedicado a “Cristo Rei!”.
O Princípio doutrinal da “realeza
social de Cristo” significa que a construção da sociedade humana não consegue
alcançar os próprios fins naturais sem ser ordenada a Jesus Cristo, Criador e
Salvador. Ele, enquanto Criador, constituiu a sociedade humana fundando-a sobre
o matrimônio e a família, sobre o amor recíproco e sobre a autoridade. Sempre
como Criador, o Senhor deu à sociedade as regras da convivência, fixando em
cada coisa os seus limites. Como Redentor, o Senhor Jesus recriou uma segunda
vez o mundo depois do pecado e no final recapitulará em Si todas as coisas,
tanto as do céu como as da terra. Jesus Cristo possui um senhorio absoluto
sobre a história e sobre o mundo, porque é o Alfa e o Ômega. Além disso, como
escreveu Joseph Ratzinger: “Um Deus que não possui poder é uma contradição em
termos”. Em Memória e Identidade, João Paulo II escreveu que Cristo possui uma
missão: “real”. A Ele estão submetidas todas as coisas, esperando que ele
submeta ao Pai a si mesmo e todas as criaturas, para que Deus seja tudo em
todos”.
Um princípio ainda válido
A doutrina da realeza social de
Cristo foi fixada e ensinada por Pio XI na encíclica Quas Primas de 1925, mas
já os Pontífices anteriores tinham expressado o conteúdo dela, como por
exemplo, Leão XIII na encíclica Immortale Dei. Essa, porém, pertence à tradição
da Igreja e, como tal, é válida também hoje e o será sempre. Infelizmente, é
frequentemente construído um muro entre Doutrina social da Igreja pré-conciliar
e a pós-conciliar. De modo que se poderia pensar que esta doutrina, expressa naquele
período, hoje não fosse mais válida. Mas não é assim.
A constituição Gaudium et spes do
Concílio Vaticano II afirma que “sem o Criador a criatura esvanece” (n. 36). A
constituição Lumen Gentium diz que os leigos devem “ordenar segundo Deus as
coisas temporais”. O decreto Apostolicam actuositatem ensina que compete aos
leigos “informar de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as
estruturas da comunidade” (n. 13). Trata-se de referências indubitáveis sobre a
realeza de Cristo.
O Catecismo da Igreja católica
dedica ao tema, sobretudo o parágrafo 2105, onde reafirma “a realeza de Cristo
sobre toda a criação e em particular sobre as sociedades humanas”.
João Paulo II enunciou esta
doutrina logo no início, na homilia da sua primeira Missa como Pontífice: “Não
tenham medo! Abram, ou melhor, escancarem as portas a Cristo! À sua salvadora
potestade abram os confins dos Estados, os sistemas econômicos como também os
políticos, os vastos campos da cultura, da civilização, de desenvolvimento. Não
tenham medo! Cristo sabe “o que está dentro do homem”. Somente ele o sabe!”
Note-se que o Santo Padre não convidou a abrir a Cristo somente os corações,
mas também os sistemas econômicos e políticos, cuja construção não é
indiferente ao Senhor.
Bento XVI várias vezes reafirmou
o conceito da realeza de Cristo: “Com o apagar-se da luz proveniente de Deus, a
humanidade é tomada pela falta de orientação, cujos efeitos destrutivos se
manifestam sempre mais” (10 de março de 2009). Também o fez em 19 de janeiro de
2012 com uma frase lapidar: “Não existe um reino de questões terrenas que possa
ser subtraído ao Criador e ao seu domínio”.
O Papa Francisco escreveu na Evangelii gaudium: “não é a mesma coisa
ter conhecido Jesus ou não O conhecer, não é a mesma coisa caminhar com Ele ou
caminhar tateando, não é a mesma coisa poder escutá-Lo ou ignorar a sua
Palavra, não é a mesma coisa poder contemplá-Lo, adorá-Lo, descansar n’Ele ou
não o poder fazer. Não é a mesma coisa procurar construir o mundo com o seu
Evangelho em vez de o fazer unicamente com a própria razão” (n. 266).
Sobre ele se fundamenta a Doutrina social da Igreja
Não se deve esquecer que sobre o
princípio da realeza de Cristo se fundamenta a Doutrina social da Igreja.
Porque, de fato, nasceu a Doutrina social da Igreja na forma moderna? Bento XVI
disse que a exigência da nova evangelização remonta ao século XIX, quando os
Estados queriam eliminar Deus da praça pública. A doutrina social inicia então,
sobretudo com Leão XIII, para recolocar Deus no centro também da construção da
sociedade e da política. De fato, Leão XIII, na Rerum novarum, escreveu que a
questão social é “uma questão da qual não é possível encontrar uma resolução
que seja válida sem recorrer à religião e à Igreja” (n. 8). Esta convicção não está
superada, mas é válida também hoje, tanto é verdade que cem anos depois, na
Centesimus annus, João Paulo II retomou e confirmou este ensinamento: “Como
então, é preciso repetir que não existe verdadeira solução à questão social
fora do Evangelho” (n. 5). Somente a referência a Cristo salva a sociedade e
permite de individuar e perseguir verdadeitramente o bem comum. O que outra
coisa não é senão a doutrina da realeza social de Cristo.
Isto é de tal modo importante
para a Doutrina social da Igreja que, se eliminássemos a doutrina da realeza
social de Cristo, esta se transformaria em uma ética social, em uma coleção de
boas intenções, em um vade-mécum das boas práticas. Mas os Sumos Pontífices
jamais entenderam deste modo a Doutrina social da Igreja. João Paulo II disse
que “A doutrina social da Igreja tem por si mesma o valor de um instrumento de
evangelização; enquanto tal anuncia Deus e o mistério de salvação em Cristo a
cada homem e, pela mesma razão, revela o homem a si mesmo. Nesta luz, e somente
nesta luz, se ocupa do estante” (Centesimus annus, n. 55).
A realeza social de Cristo é
expressão da pretensão cristã de anunciar a salvação em Cristo. Cristo não é
somente útil, assim a doutrina social da Igreja seria um adoçante para os males
da sociedade ou um lubrificante para as sedimentações das injustiças, Ele é
indispensável. O diz a Caritas in veritate de Bento XVI: “A adesão aos valores
do cristianismo é elemento não somente útil, mas indispensável para a
construção de uma boa sociedade e de um desenvolvimento humano integral” (n.
4). Como poderia Deus ser somente útil e não indispensável? E como poderia ser
indispensável sem experimir uma realeza sobre as coisas temporais? Eis porque a
declaração Dignitatis humanae do Vaticano II afirma que “existe um dever moral
dos indivíduos e das sociedades para com a verdadeira religião e a única Igreja
de Cristo” (n. 1).
A realeza social de Cristo nas democracias?
Mas, como se concilia o princípio
da realeza social de Cristo com as modernas democracias do pluralismo e da
liberdade de opinião, nas quais todas as visões da vida e todas as religiões
são igualmente admitidas? A realeza social de Cristo não é própria de um
sistema de Estado confessional no qual a verdadeira religião é protegida,
enquanto as outras são somente toleradas? Ou será que a Igreja não já tenha
aceitado a moderna democracia e, assim fazendo, não já abandonou
definitivamente tudo isso?
Antes de tudo, se deve precisar
que a Igreja jamais canonizou a democracia e ainda menos a democracia moderna.
João Paulo II no seu livro Memoria e identità escreveu que “A ética social
católica apoia, em linha de princípio, a solução democrática, porque mais é
mais correspondente com a natureza racional e social do homem. Porém, se mantém
distante – é necessário precisar – de canonizar este sistema”. A encíclica
Centesimus annus coloca para a democracia condições tais que mostram as grandes
carências das suas formas modernas. O Magistério rejeita, sobretudo a ligação
entre democracia e relativismo, por outro lado ele liga a democracia com a
exigência da verdade de modo que os sistemas democráticos não anulam, mas
tornam ainda mais evidente o “dever moral dos indivíduos e das sociedades para
com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo”.
Por muito tempo este dever tinha
se expressado positivamente na forma do “Estado confessional”, mas também na
presente fase histórica em que o Estado confessional não é mais considerado
válido não deixa de existir o princípio da realeza de Cristo sobre as
realidades temporais. Pode-se dizer que existe um princípio válido sempre e que
permanece: a realeza de Cristo. Existem formulações históricas que podem também
mudar, como por exemplo, aquela do Estado confessional como o conhecemos até
agora. O que nos espera para o futuro depende da Providência de Deus e dos
esforço dos fiéis.
Realeza de Cristo e princípio do bem comum
O princípio da realeza social de
Cristo é de fundamental importância para esclarecer o fim da Doutrina social da
Igreja e do compromisso cristão no mundo: o bem comum. Esta é hoje uma
expressão que é entendida em vários modos, frequentemente equivocados.
Frequentemente é entendida somente como o bem estar material ou como o bom
funcionamento das instituições para a vantagem de todos segundo a justiça.
Outras vozes a entendem como o interesse coletivo: quando todos estivessem bem,
tivessem um trabalho, o automóvel, a assistência de saúde garantida e assim por
diante, existiria então o bem comum. Frequentemente acontece que também os
fiéis católicos reduzam o conceito de bem comum a um nível somente horizontal.
O bem comum, ao invés, é um
princípio sim para o ordenamento material da sociedade, mas o é ainda mais para
o seu ordenamento moral e religioso. O bem comum está sem dúvida diante de nós,
como um fim a atingir e não como algo a inventar, mas está também por trás,
como uma ordem recebida em herança e que se deve respeitar, como uma ordem
desejada por Deus. Não pode existir bem comum sem respeito à ordem natural da
criação e não pode existir bem comum sem considerar que o homem é feito por
Deus. João XXIII na Pacem in terris dizia que “Por isso, cumpre atuar o bem
comum em moldes tais que não só não criem obstáculo, mas antes sirvam à
salvação eterna da pessoa (n. 59). Do bem comum fazem parte seja a ordem recebida
de Deus criador , seja o fim eterno do homem e a salvação das almas. O conceito
de bem comum é então moral e religioso. Deus é o principal bem comum e conhecer
o Evangelho é o primeiro dos direitos humanos.
Quando, por exemplo, se ouve
dizer que o reconhecimento das uniões entre pessoas homossexuais pode
contribuir para o bem comum enquanto se valoriza um cuidado recíproco e uma
relação afetiva não se tem em conta o aspecto moral e religioso do bem comum.
Não é possível que uma lei contrária à lei moral natural e desejada por Deus
criador contribua para o bem comum. Eis,
portanto que a realeza de Cristo é parte integrante do conceito católico de bem
comum.
Epílogo
Não existe neutralidade em
relação a Deus. Aquele que crê sabe, pela razão e pela fé, que a humanidade
somente com suas forças não consegue construir a cidade do homem. A
secularização que exclui Deus da praça pública produz mal estar. Dizia Bento
XVI em Aparecida no ano de 2007: “Onde Deus é ausente – Deus do rosto humano de
Jesus Cristo – estes valores não se mostram com toda a sua força, nem se produz
um consenso sobre eles. Não quero dizer que os que não crêem não possam viver
uma moralidade elevada e exemplar; digo somente que uma sociedade na qual Deus
é ausente não encontra o consenso necessário sobre valores morais e a força
para viver segundo o modelo deste valores, também contra os próprios
interesses”. A realeza de Cristo salva o mundo de si mesmo e, assim fazendo, o
realiza.
Para saber mais
S. Fontana (a cura di), Joseph Ratzinger-Benedetto XVI, Il posto di Dio
nel mondo. Potere, politica, legge, Cantagalli, Siena 2013.
Id., Dal Sillabo alla Dignitatis humanae. Rottura? Continuità?
Riforma?, “Bollettino di Dottrina sociale della Chiesa” VIII (2012) 2, pp.
69-73.
Id., Nuova evangelizzazione e Dottrina sociale della Chiesa: una messa
a punto, “Bollettino di Dottrina sociale della Chiesa” IX (2013) 2, pp. 59-63.
Fonte:
Ver também: