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terça-feira, 14 de novembro de 2017

100 ANOS DO OUTUBRO VERMELHO



Em 1917, o comunismo soviético nasce do terror e da mentira



Stefano Magni

Hoje, 7 de novembro de 2017, ocorre os 100 anos do aniversário da assim chamada “Revolução de Outubro”, a tomada de poder de Lenin na Rússia. Iniciou-se assim o primeiro e mais duradouro regime comunista do século XX, aquele da União Soviética. Foi dado início a quase um século de terror e conflitos. Todavia, tanto na Rússia quanto no resto do mundo, se vê ainda no 7 de novembro um aniversário nefasto. Somente quem experimentou na própria pele os piores crimes soviéticos, como o dos povos bálticos, os ucranianos e os poloneses, hoje possui a nítida consciência que o 7 e novembro não pode de nenhum modo ser festejado. Isto porque, ainda a 27 anos da queda da URSS e da consequente abertura de boa parte dos arquivos de Moscou, persistem uma série de mitos e verdadeiras falsificações históricas.

Foi golpe e não revolução

O primeiro mito é que em 7 de novembro se celebra uma “revolução”. A revolução, a verdadeira, aconteceu no 8 de março precedente e se concluiu com a queda do Czar Nicolau II. Nascem daquela revolta um governo provisório e um Soviet (sindicato), cada um destes reivindicava o autêntico papel de representante do povo russo. Os bolcheviques, guiados por Vladimir Lenin, entraram nesta frágil ordem dualista e tomaram o comando. Quando acontece a insurreição armada de 6 a 7 de novembro de 1917 (era ainda outubro no calendário Juliano, ainda em uso na Rússia), a maioria do Soviet era contrária a uma tomada de poder com a força. Lenin precedeu o Congresso dos Soviet de poucos dias, exatamente para pegar os representantes dos outros partidos de surpresa e mostrar a eles um fato consumado. A ação de força é efetuada contra o governo provisório e toda a sua estrutura burocrática. A burocracia foi a primeira a rebelar-se ao golpe de Estado, boicotou o governo golpista desde as primeiras semanas de poder e foi substituída em parte depois das primeiras greves do exército branco. O golpe, conduzido por uma minoria exígua de cerca de 10 a 15 mil homens, teve sucesso somente por causa do caos em que se encontrava o pais: no terceiro ano de participação na Primeira Guerra Mundial a Rússia ocidental foi invadida por milhões de prófugos, todas as regiões ocidentais mais ricas estavam nas mãos dos inimigos austro-alemães, o exército estava em debandada e mínima a sua lealdade em relação a um governo que tinha levado o país à falência. Pode-se, portanto, descrever o golpe bolchevique como um golpe de Estado militar: conduzido por militares que passaram para a causa revolucionária e com a cumplicidade passiva do restante do exército.

O terror vermelho iniciou antes da guerra civil

Segundo a historiografia marxista soviética, a Urss foi sempre uma democracia (popular). Também, segundo uma historiografia mais adoçada, o governo bolchevique atravessou uma primeira fase democrática, que depois teve que ser suprimida somente por causa da guerra civil e, portanto do “comunismo de guerra”. Isto é uma falsidade histórica. Os partidos russos, tanto aqueles dos Soviet como aqueles do parlamento (Duma) foram suprimidos no primeiro ano do regime bolchevique. O único voto livre se deu em dezembro de 1917 para eleger a Assembleia Constituinte. O voto foi caracterizado pela violência e fraude organizados pelos bolcheviques, que tinham se instalado no poder. Não obstante tudo isso, o partido bolchevique era fortemente minoritário quando a Assembleia se reuniu em janeiro de 1918. A este ponto, Lenin fez com que a sede da Assembleia Constituinte fosse ocupada militarmente e suprimiu com a força os primeiros protestos. O terror começou antes da guerra civil. A polícia política bolchevique, a Ceka, antecessora da Kgb, foi instituída já em dezembro de 1917, quando os russos ainda se iludiam de viver em uma nascente democracia.

A guerra civil foi vencida por Lenin não graças aos agricultores, mas contra eles

Imediatamente depois da tomada do poder por parte de Lenin, o exército de dividiu. Uma maior parte prestou juramento ao novo governo, mas minorias consistentes do exército e dos oficiais nas regiões periféricas do império, sobretudo depois da dissolução da Assembleia Constituinte, se rebelaram e formaram exércitos “brancos” contra o nascente Exército Vermelho. Um segundo mito persistente da revolução é que esta sanguinosa guerra civil, que durou de 1918 a 1921 (em algumas regiões remotas da Ásia continuou até 1923) tenha sido vencida por Lenin porque estes combatiam para dar “a terra aos agricultores”. Todavia, a ação dos bolcheviques e do seu recém-constituído Exército Vermelho, foi, sobretudo uma guerra contra os agricultores. Em 1918, Lenin emitiu o primeiro decreto que impunha a requisição de todo o trigo necessário ao esforço bélico. Aos agricultores podia ser deixado somente o mínimo de subsistência. Em 1919, Lenin emitiu um segundo decreto ainda mais duro: o trigo devia ser confiscado em base a quotas calculadas sobre a exigência do Exército Vermelho e das cidades industriais, independentemente das exigências dos agricultores. Caso fosse necessário tomar deles todo o trigo, ainda que isso os fizesse morrer fome, a confiscação acontecia igualmente. Não é por acaso que, durante a guerra civil, as áreas camponesas como a Ucrânia, Don e Kuban, fizeram uma resistência extenuante ao Exército Vermelho.  Mesmo quando os bolcheviques tinham já vencido, a última insurreição contra o regime deles foi uma revolta camponesa, na região de Tambov. Durou de 1920 a 1921, foi reprimida com métodos implacáveis. A repressão e a política das requisições causaram a primeira grande carestia soviética, em 1921-22, que provocou mais de um milhão de mortos de fome e por dificuldades. Não obstante tudo isso, persiste a legenda da “guerra para dar a terra aos agricultores”, também porque é útil para esconder outras realidades ainda mais dramáticas. Antes de tudo: os bolcheviques foram sempre numericamente superiores (de longe) aos exércitos brancos, não obstante tudo isso empregaram três anos (cinco, na Ásia central) para prevalecer. Em alguns momentos, como na primavera e verão de 1919, correram o risco até mesmo de perder. A vitória foi devida a muitos fatores, não menos importantes: o terror. Trockij, que organizou o Exército Vermelho, reintroduziu a pena de morte que tinha sido abolida no início de 1917 e reintroduziu métodos disciplinares muito mais duros em relação aos do exército czarista. Os primeiros campos de concentração, a partir daquele nas ilhas Solovki, foram instituídos não somente para internar ali os prisioneiros de guerra, mas, sobretudo os opositores internos, os “inimigos de classe”, todos aqueles que eram acusados de sabotagem do esforço bélico.  O terror manteve junto um exército desmotivado, por medo mais que por entusiasmo pela causa bolchevique.

Lenin venceu graças ao imperialismo, não contra este

A própria chegada de Lenin na Rússia foi obra de um dos impérios empenhados na Primeira Guerra Mundial: o alemão. Lenin, exilado no tempo da revolução, retornou a Rússia em abril de 1917, graças a uma (já evidente) operação conduzida pelos serviços secretos alemães, que tinham todo o interesse para fazer com que a Rússia entrasse em colapso e libertar tropas da frente oriental. No terceiro ano de guerra, o único interesse de Berlim era a vitória, mesmo se com métodos que hoje chamaríamos de “regime change”, independentemente da ideologia do regime sustentado. Não obstante isso, em fevereiro de 1918, não chegando a um acordo de paz com Berlim e Viena, a Rússia bolchevique foi de novo invadida pelos austro-alemães. A resposta de Lenin foi aquela de dirigir-se aos Aliados contra os Alemães. E foi para responder a seu pedido que os americanos e os ingleses desembarcaram pequenos contingentes em Arcângelo (extremo Norte da Rússia) e os japoneses e outros aliados, entre os quais os italianos, em Vladivostok (no extremo Leste): para proteger os arsenais por eles fornecidos à Rússia nos anos de guerra, para evitar que acabassem nas mãos dos alemães. Quando se chegou a um acordo de paz entre a Rússia bolchevique e os Impérios Centrais, Lenin mudou de frente e pediu a ajuda alemã para expulsar os Aliados. Não o obteve porque os alemães não tinham mais nenhuma intenção de ajudá-lo, nem os meios para abrir uma nova frente. Mas, foi por isso que os Aliados passaram as suas armas para os exércitos brancos (mas não foi suficiente para fazê-los vencer). Lenin teve então um bom tempo apresentando-se como vencedor de uma luta contra todos os imperialismos, até se tornar um paladino das causas de libertação nacional, mas somente porque o império que o sustentou, o alemão, cessou de existir depois de 1918. E, não obstante a terceira e última reviravolta, o próprio Lenin foi também pronto a aceitar o sustento dos impérios inimigos dos alemães.

Estas quatro legendas principais, às quais se acrescentaram muitas outras em seguida, serviam para sustentar a tese de uma “imaculada concepção” da União Soviética. Aquilo que se seguiu e que não pode mais ser ocultado, como o Grande terror de Stalin, os gulag, as deportações de populações inteiras, a carestia artificial na Ucrânia, é tudo atribuído a uma alegada desvirtuação da revolução operada por Stalin, sucessor de Lenin. Retornar à história, distanciando-se da hagiografia marxista, é o único modo para compreender, pelo menos a 100 anos de distância, que não existiu nenhuma traição, exatamente porque não existiu nenhuma “imaculada concepção” da Urss. Foi um regime que tomou o poder com a força e se manteve graças ao terror desde o seu nascimento. Foi abatido graças à fé dos seus súditos e à falência do seu próprio sistema. Mas, nestes 74 anos conseguiu eliminar pelo menos 20 milhões de pessoas da face da terra, sem contar os milhões de mortos feitos pelos regimes que se instauraram como imitação deste em todos os cinco continentes, à medida que se espalhavam os erros do comunismo. Um século de pesadelo, divulgado como um sonho.

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