Os governantes não devem evitar
prestar publicamente homenagem a Cristo Rei, o qual é o verdadeiro Legislador e
por isso possui verdadeiro poder temporal: legislativo, executivo e judiciário.
Para isto servem os leigos sem medo os quais saibam que não é a Igreja a
aprender do mundo, mas o contrário. Os limites são nossos, não de Cristo e da
sua verdade. A última parte da lectio magistralis do Pe. Mauro Gagliardi.
Concluamos a leitura da lectio magistralis do Pe. Mauro Gagliardi que aconteceu em 2 de fevereiro passado, no teatro Guanella, no âmbito da jornada de Doutrina social promovida pela Nuova BQ e pelo Osservatorio Van Thuan.
***
Depois destas referências, digamos
algo também sobre o conceito de Reino segundo a revelação (para os dados
seguintes, cf. M. Gagliardi, «La realeza de Jesús de Nazaret: aspectos
cristológicos», in N. Derpich [ed.], El Reino de Cristo: Historia,
Teología, Vida, Roma 2016, pp. 207-254). Os exegetas e os
teólogos são hoje concordes em sustentar que o centro da pregação e da obra de
Jesus foi a mensagem que se refere ao Reino de Deus. Existem muitas
interpretações sobre o significado deste conceito, todavia os estudiosos estão
de acordo em reconhecer sua centralidade. Não acontece o mesmo em relação ao
Rei deste Reino. O Novo Testamento atribui a Jesus os títulos de Rei, Rei dos
judeus, Rei de Israel, Rei dos reis, mais de trinta vezes. Ainda assim, muitos
teólogos contemporâneos, mesmo escrevendo tanto sobre o tema do Reino, escrevem
pouco ou nada sobre Rei. Até mesmo, alguns teólogos sustentavam que Jesus
anunciava o Reino, mas não a si mesmo. Um famoso teólogo do século XX, Yves
Congar, considerava ao invés que Jesus fosse Rei, mas somente a partir da parusia, ou seja, que o seu Reino
universal comece somente no final dos tempos e não desde agora. No mundo,
segundo Congar, Cristo reina, mas somente em modo invisível, somente nos
corações dos bons cristãos, e não na sociedade.
É claro que o Magistério da
Igreja, particularmente com o Papa Pio XI, ao invés ensinou a realeza
também social de Cristo. Segundo Pio XI, esta doutrina seria dogma de fé,
definida pelo Concílio de Trento. Mas, apesar de tudo isso, muitos teólogos nos
últimos decênios preferiram concentrar-se sobre o conceito somente espiritual
de realeza cristológica. O Papa Ratti, ao invés, tinha ensinado que a realeza
espiritual é aquela principal; todavia não é a única dimensão da ação de Cristo
Rei. E o Concílio Vaticano II, mesmo se com linguagem diferente em relação
àquela utilizada por Pio XI, diz o mesmo.
UM REI COM UM REINO
De fato, a Constituição Lumen Gentium 36 ensina que Cristo
possui poder universal já aqui na terra e que Ele detém este poder até o final
dos tempos. Além do mais, se ensina que Cristo transmite este poder real
fazendo com que seus discípulos participem deste, em um duplo sentido: de uma
parte com referência à liberdade real dos que creem, ou seja, do fato que os
cristãos vençam em si mesmos o reino do pecado (e esta é a realeza espiritual
de Cristo em nós); mas por outra parte, o Vaticano II afirma que os leigos
cristãos devem conduzir também outros ao seu Rei. O Concílio escreve,
textualmente: “Pois o Senhor deseja dilatar também por meio dos leigos o Seu
reino”.
Notemos, antes de tudo: a extensão
do Reino não é vontade política dos católicos; é desejo do Senhor. Em
segundo lugar, se acrescenta: também por meio dos leigos. A extensão do reino
espiritual se opera, sobretudo com os meios sobrenaturais como os Sacramentos e
este é feito, sobretudo, pela obra dos ministros ordenados. Se o concílio diz
“e isto também por meio dos fiéis leigos”, quer dizer que o Senhor deseja
estender o seu Reino também em outro modo em relação àquele
espiritual-sacramental: quer dizer no modo próprio dos leigos, que o Concílio
(retomando uma expressão de Pio XII) chama consecratio
mundi (LG 34. Tradução: consagração
do mundo). Portanto, também para o Vaticano II o Reino tem uma conotação
principalmente espiritual e sobrenatural, mas possui também outra: aquela
histórico-social.
Os fiéis leigos são
identificados como os protagonistas naturais deste tipo de expansão, como
os sacerdotes são do primeiro. O Concílio escreve ainda que através dos leigos,
o mundo deve ser impregnado do espírito de Cristo. É claramente uma
terminologia de conquista, mesmo se de conquista em sentido cristão. Isto se fará,
sobretudo através da obra dos leigos no trabalho, na técnica e na cultura. E por
outro lado, semelhante ação não é
autônoma em relação à graça sobrenatural, porque os fiéis leigos poderão
operar neste modo somente e exclusivamente sob o influxo da graça divina. Os
leigos podem estender o Reino de Cristo na sociedade somente se o Reino de
Cristo estiver já dominando em seu coração. Os sacerdotes são responsáveis de
introduzir este Reino de Cristo nas almas e de custodiá-lo, com a Palavra e os
Sacramentos. Neste sentido, o mundo é conquistado para Cristo pela graça: a
ordem sobrenatural alcança a natural, a purifica e a eleva.
Existe, portanto, certamente
aquela que Pio XII chamava a “legítima sadia laicidade do Estado” (cit. em
LG, nota 116), ainda assim o Vaticano II, assim como recordou que sem o Criador
a criatura desaparece, igualmente recorda que “em cada coisa temporal (os
leigos) devem deixar-se guiar pela consciência cristã, porque nenhuma atividade
humana, nem mesmo temporal, pode subtrair-se ao domínio de Deus” e
consequentemente “deve ser rejeitada esta funesta doutrina que pretende
construir a sociedade sem levar em conta a religião”. Este equilíbrio da
doutrina social cristã é expresso também pela liturgia no dia da Epifania. Por um
aparte, mediante o famoso hino Hostis
Herodes impie, se recorda que Cristo Rei permite aos governantes humanos de
gerenciar a coisa pública com uma relativa (não absoluta) autonomia: “Por que
temes, Herodes, o Senhor que vem? Não retira os reinos humanos, quem dá o reino
dos céus”.
Por outro lado, porém, a
liturgia da mesma solenidade recorda que a sadia laicidade das coisas
públicas pode e deve ser somente relativa e não absoluta; ou seja, a verdadeira
laicidade não é o laicismo do etsi deus non daretur, porque também em um
estado moderno Cristo permanece o Rei de todos. Por isso, o hino das Laudes da
Epifania acrescenta: “Não conhece confins no espaço e no tempo o seu reino de
amor, de justiça e de paz”. Ambos os aspectos são, portanto, expressos. Existe
um governo natural relativamente autônomo: não é verdadeiro que a única forma
de governo para nós aceitável seria uma res
publica christiana; Herodes pode continuar a ser rei mesmo depois que
nasceu o verdadeiro Rei, que não retira os reinos humanos porque dá o Reino dos
céus. Mas, por outro lado, este governo é somente relativamente autônomo,
porque deve prestar contas a Cristo, Rei dos reis, do qual recebe, em última
análise, a própria autoridade. É este o motivo pelo qual Pio XI tinha ensinado
que os governantes não deveriam rejeitar de prestar pública homenagem a Cristo
Rei, o qual é verdadeiro Legislador e por isso possui verdadeiro poder
temporal: legislativo, executivo e judiciário.
Não devemos esconder para nós
que hoje estes ensinamentos parecem impossíveis de propor, em um mundo
pluralista e multi-religioso. E é verdadeiro que é inútil propô-los desta
forma. Porém, podem e devem ser mantidos e vividos no que se refere ao seu
núcleo verdadeiro profundo. Desta doutrina, como pode aparecer hoje uma práxis
não utópica e possível de ser realizada?
Mesmo não sendo este o momento de
apresentar linhas precisas de ação, mesmo porque para fornecer semelhantes
indicações é necessária uma competência específica, se pode dizer que um grande
princípio pode inspirar indicações práticas concretas, que outros trarão em
maneira mais detalhada. O Rei é Cristo e nós sabemos e queremos que Ele deva
reinar socialmente, além também de espiritualmente. Portanto, a relação
Igreja-mundo deve ser marcada por esta ação sacerdotal e laical, através da
qual o Reino de Cristo se expande nas
almas e nos corpos sociais.
A VERDADE E DEFENDER
Provavelmente uma via possível
de ser percorrida para isto consiste no concentrar-se sobre o tema da
verdade. Isto porque o próprio Cristo que é o Rei do universo, é também a
Verdade em Pessoa, como disse de Si mesmo: eu sou a Via, a Verdade e a Vida.
Sem esquecer que o tema da verdade torna no Evangelho exatamente em um trecho
com alto coeficiente político: o processo de Cristo por parte de Pilatos. Também nesta ocasião, o Cristo Verdade está
majestosamente diante do ceticismo do procurador romano que pergunta: o que é a
verdade? Bento XVI na Caritas in veritate
diz que a doutrina social da Igreja é “anúncio da verdade do amor de Cristo na
sociedade. Tal doutrina é serviço da caridade, mas na verdade” (n. 5). Esta
dimensão da verdade é fundamental nas nossas relações com o mundo.
Um primeiro modo concreto de
expandir no mundo o reino de Cristo atuando a verdade é aquele de não
idolatrar o mundo, ou seja, de não sofrer complexos de inferioridade diante
deste. Aproximar-se com tal complexo ao
mundo implica sempre o querer agradá-lo, para ser por ele aceito. Com toda
humildade devemos dizer: não é principalmente o mundo que tem algo a dar a
Igreja, ou seja, ao Corpo Místico de Cristo, mas é exatamente o contrário. Não
é tanto a Igreja a aprender do mundo quanto o mundo da Igreja, que é a Mãe e a
Mestra, Mater et Magistra. Por acaso,
já existiu uma mãe competente que pergunte ao filho o que fazer? Ou, uma
professora competente que se declare incapaz de ensinar diante dos seus
estudantes? A verdade é que a Igreja deve dar e ensinar ao mundo: não tenhamos,
portanto, medo! Sejamos humildes, certo, conscientes dos nossos limites
humanos. Mas os limites são nossos, não de Cristo e da sua verdade. Nós não
portamos a nós mesmos, mas Ele e a sua doutrina; portanto, é preciso ter menos
medo dos poderes mundanos e ser mais fortes no esforço.
Segundo: a verdade quer que a
Igreja saiba permanecer o que é, ou seja, o que Cristo a fez: sacramento
universal de salvação. O Papa Bento XVI, na encíclica Deus Caritas est escreveu: “É por isso muito importante que a
atividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva
na comum organização assistencial, se tornando uma simples variante” (n. 31). Recordar-se-á
depois que o Papa Francisco, na primeira homilia como Pontífice, feita aos
cardeais no dia depois da eleição, disse que a Igreja não é uma ONG. Para evitar
se tornar uma agência de serviços, a Igreja tem necessidade da fé, ou seja, da
doutrina professada, dos sacramentos, da oração e da penitência. Inútil
iludir-nos que mudaremos o mundo sem estas realidades. Se assim pensássemos de
poder fazer, nos tornaríamos de novo pelagianos, negando também nós a sadia
reciprocidade entre natural e sobrenatural.
Terceiro: se opera na verdade
dizendo a verdade, dando testemunho dela, quando é fácil e quando não o é.
Não podemos e nem devemos jamais esconder a nossa fé: nem em família, nem sobre
o trabalho, nem em política, nem no mundo cultural ou associativo de qualquer
tipo. Recebemos o sacramento da Crisma exatamente para ter a força sobrenatural
desta coragem de testemunhar. Romano Guardini nos encoraja a dizer sempre a
verdade, mesmo quando esta coragem nos colocasse em uma situação difícil diante
do mundo. Ele diz: “Quem fala, diga o que
é, e como o vê e entende. Portanto, que exprima também com a palavra o quanto
ele tem em seu coração. Pode ser difícil em algumas circunstâncias, pode
provocar aborrecimentos, danos e perigos; mas a consciência nos recorda que a
verdade obriga; que ela tem algo de incondicionado, que possui grandiosidade.
Dela não se diz: Tu a podes dizer quando te agrada ou quando deves alcançar uma
finalidade; mas: Tu deves dizer, quando fales, a verdade; não a deves nem
reduzir, nem alterar. Tu a deves dizer sempre, simplesmente; mesmo quando a
situação te induziria a silenciar ou quando podes facilmente escapar de uma
pergunta” (Virtù, Brescia 1997, p. 21).
HERÓI COM UM IDEAL
Trata-se de palavras que
ressoam no nosso coração provocando certa emoção e suscitando propósitos de
compromisso. Mas, nos damos conta sempre mais de quanto seja oneroso dizer a
verdade e lutar por ela, mesmo porque frequentemente nós não vemos
imediatamente o efeito positivo da nossa coragem no falar. Aqui pode surgir em
nós certo desânimo: para que serve dizer a verdade se quase ninguém escuta, se
nada muda? Não é melhor uma diplomacia do compromisso, que pelo menos pode
obter algo? A experiência histórica dos nossos compromissos tem demonstrado nos
fatos que esta lógica é perdedora. Somente o testemunho da verdade vence, mesmo
se depois de muito tempo. Nós não devemos lutar pela verdade somente na medida
em que vemos que os outros nos escutam ou nos apreciam. Nós devemos lutar pela
verdade porque a amamos e sabemos que devemos transmiti-la íntegra aos nossos
posteriores, assim como nos foi transmitida pelos nossos predecessores.
Isto comporta um último
aspecto: que para a verdade e para a difusão do Reino de Cristo nós devemos
estar dispostos a sofrer. A sofrer a incompreensão, às vezes, também dentro da
Igreja, e mais frequentemente na sociedade ou na família. E devemos estar
dispostos a sacrificar também algo de notável, como uma brilhante carreira,
eclesiástica ou civil, por amor à verdade. A verdade merece tais sacrifícios
porque a verdade nos torna livres. Falando das associações católicas, o cardeal
Giuseppe Siri, entrevistado, à pergunta: “Qual é, segundo o senhor, em um tempo
de pluralidade de experiências, o segredo para a formação do laicato?”,
respondia: “De formá-lo interiormente, não somente externamente, e de
habituá-lo ao sacrifício e à coragem. As associações católicas, se não possuem
combatividade, não valem nada. Vivem, antes, são eficazes para si mesmas” (cit.
in R. Spiazzi [ed.], Il Cardinale Giuseppe Siri, Bologna 1990, p.
116). A nossa vida merece mais que isto. A vida dos católicos, de homens e
mulheres conquistados por Cristo Redentor, é uma vida digna de ser vivida mais
intensamente e corajosamente, que não ser medíocre navegando sobre o sem
sentido quotidiano da sociedade contemporânea.
Concluamos chamando a atenção
para o grande sucesso que nos últimos tempos estão recebendo os filmes que
representam histórias de luta entre o bem e o mal, como (...) O Senhor dos anéis, ou As
Crônicas de Nárnia. A parte os efeitos especiais e alguns aspectos
criticáveis, estes filmes atraem por um motivo profundo: eles transmitem uma
visão heroica, uma visão épica da vida. A vida, nestes filmes, não é
apresentada somente como a procura do pequeno prazer pessoal, mas como um bem
que se deve gastar por um grande ideal, para que o mal seja vencido e o bem
triunfe. Sendo necessário, os heróis destas sagas estão dispostos também a dar
a vida para que este ideal se torne realidade. A fé cristã nos leva a viver
assim, com um grande ideal e grandes horizontes. É de desejar que possamos
viver neste mundo: não procurando a pequena esperança individual, que no final
decepciona sempre, mas tendo a coragem de seguir o grande ideal do Evangelho e
de dar por ele toda a nossa vida.
(3 - FIM)
(Já pubblicados: 1- Igreja
e mundo, relação necessária e de Graça; 2- "Nós,
cristãos, imersos em um mundo que precisa ser salvo")
Hino: Hostis Herodes impie: https://www.youtube.com/watch?v=Z6FYj1yY7G8
Tradução do hino Hostis Herodes impie:
Filmes:
Senhor dos Anéis: https://www.youtube.com/watch?v=TBuORrknl2U
As crônicas de Nárnia: https://www.youtube.com/watch?v=kQtYxqCSd-A
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