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terça-feira, 13 de março de 2018

«Leigos comprometidos sem medo do poder mundano»



Os governantes não devem evitar prestar publicamente homenagem a Cristo Rei, o qual é o verdadeiro Legislador e por isso possui verdadeiro poder temporal: legislativo, executivo e judiciário. Para isto servem os leigos sem medo os quais saibam que não é a Igreja a aprender do mundo, mas o contrário. Os limites são nossos, não de Cristo e da sua verdade. A última parte da lectio magistralis do Pe. Mauro Gagliardi.


Concluamos a leitura da lectio magistralis do Pe. Mauro Gagliardi que aconteceu em 2 de fevereiro passado, no teatro Guanella, no âmbito da jornada de Doutrina social promovida pela Nuova BQ e pelo Osservatorio Van Thuan.

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Depois destas referências, digamos algo também sobre o conceito de Reino segundo a revelação (para os dados seguintes, cf. M. Gagliardi, «La realeza de Jesús de Nazaret: aspectos cristológicos», in N. Derpich [ed.], El Reino de Cristo: Historia, Teología, Vida, Roma 2016, pp. 207-254). Os exegetas e os teólogos são hoje concordes em sustentar que o centro da pregação e da obra de Jesus foi a mensagem que se refere ao Reino de Deus. Existem muitas interpretações sobre o significado deste conceito, todavia os estudiosos estão de acordo em reconhecer sua centralidade. Não acontece o mesmo em relação ao Rei deste Reino. O Novo Testamento atribui a Jesus os títulos de Rei, Rei dos judeus, Rei de Israel, Rei dos reis, mais de trinta vezes. Ainda assim, muitos teólogos contemporâneos, mesmo escrevendo tanto sobre o tema do Reino, escrevem pouco ou nada sobre Rei. Até mesmo, alguns teólogos sustentavam que Jesus anunciava o Reino, mas não a si mesmo. Um famoso teólogo do século XX, Yves Congar, considerava ao invés que Jesus fosse Rei, mas somente a partir da parusia, ou seja, que o seu Reino universal comece somente no final dos tempos e não desde agora. No mundo, segundo Congar, Cristo reina, mas somente em modo invisível, somente nos corações dos bons cristãos, e não na sociedade. 

É claro que o Magistério da Igreja, particularmente com o Papa Pio XI, ao invés ensinou a realeza também social de Cristo. Segundo Pio XI, esta doutrina seria dogma de fé, definida pelo Concílio de Trento. Mas, apesar de tudo isso, muitos teólogos nos últimos decênios preferiram concentrar-se sobre o conceito somente espiritual de realeza cristológica. O Papa Ratti, ao invés, tinha ensinado que a realeza espiritual é aquela principal; todavia não é a única dimensão da ação de Cristo Rei. E o Concílio Vaticano II, mesmo se com linguagem diferente em relação àquela utilizada por Pio XI, diz o mesmo.

UM REI COM UM REINO 

De fato, a Constituição Lumen Gentium 36 ensina que Cristo possui poder universal já aqui na terra e que Ele detém este poder até o final dos tempos. Além do mais, se ensina que Cristo transmite este poder real fazendo com que seus discípulos participem deste, em um duplo sentido: de uma parte com referência à liberdade real dos que creem, ou seja, do fato que os cristãos vençam em si mesmos o reino do pecado (e esta é a realeza espiritual de Cristo em nós); mas por outra parte, o Vaticano II afirma que os leigos cristãos devem conduzir também outros ao seu Rei. O Concílio escreve, textualmente: “Pois o Senhor deseja dilatar também por meio dos leigos o Seu reino”.

Notemos, antes de tudo: a extensão do Reino não é vontade política dos católicos; é desejo do Senhor. Em segundo lugar, se acrescenta: também por meio dos leigos. A extensão do reino espiritual se opera, sobretudo com os meios sobrenaturais como os Sacramentos e este é feito, sobretudo, pela obra dos ministros ordenados. Se o concílio diz “e isto também por meio dos fiéis leigos”, quer dizer que o Senhor deseja estender o seu Reino também em outro modo em relação àquele espiritual-sacramental: quer dizer no modo próprio dos leigos, que o Concílio (retomando uma expressão de Pio XII) chama consecratio mundi (LG 34. Tradução: consagração do mundo). Portanto, também para o Vaticano II o Reino tem uma conotação principalmente espiritual e sobrenatural, mas possui também outra: aquela histórico-social.

Os fiéis leigos são identificados como os protagonistas naturais deste tipo de expansão, como os sacerdotes são do primeiro. O Concílio escreve ainda que através dos leigos, o mundo deve ser impregnado do espírito de Cristo. É claramente uma terminologia de conquista, mesmo se de conquista em sentido cristão. Isto se fará, sobretudo através da obra dos leigos no trabalho, na técnica e na cultura. E por outro lado, semelhante ação não é  autônoma em relação à graça sobrenatural, porque os fiéis leigos poderão operar neste modo somente e exclusivamente sob o influxo da graça divina. Os leigos podem estender o Reino de Cristo na sociedade somente se o Reino de Cristo estiver já dominando em seu coração. Os sacerdotes são responsáveis de introduzir este Reino de Cristo nas almas e de custodiá-lo, com a Palavra e os Sacramentos. Neste sentido, o mundo é conquistado para Cristo pela graça: a ordem sobrenatural alcança a natural, a purifica e a eleva.

Existe, portanto, certamente aquela que Pio XII chamava a “legítima sadia laicidade do Estado” (cit. em LG, nota 116), ainda assim o Vaticano II, assim como recordou que sem o Criador a criatura desaparece, igualmente recorda que “em cada coisa temporal (os leigos) devem deixar-se guiar pela consciência cristã, porque nenhuma atividade humana, nem mesmo temporal, pode subtrair-se ao domínio de Deus” e consequentemente “deve ser rejeitada esta funesta doutrina que pretende construir a sociedade sem levar em conta a religião”. Este equilíbrio da doutrina social cristã é expresso também pela liturgia no dia da Epifania. Por um aparte, mediante o famoso hino Hostis Herodes impie, se recorda que Cristo Rei permite aos governantes humanos de gerenciar a coisa pública com uma relativa (não absoluta) autonomia: “Por que temes, Herodes, o Senhor que vem? Não retira os reinos humanos, quem dá o reino dos céus”. 

Por outro lado, porém, a liturgia da mesma solenidade recorda que a sadia laicidade das coisas públicas pode e deve ser somente relativa e não absoluta; ou seja, a verdadeira laicidade não é o laicismo do etsi deus non daretur, porque também em um estado moderno Cristo permanece o Rei de todos. Por isso, o hino das Laudes da Epifania acrescenta: “Não conhece confins no espaço e no tempo o seu reino de amor, de justiça e de paz”. Ambos os aspectos são, portanto, expressos. Existe um governo natural relativamente autônomo: não é verdadeiro que a única forma de governo para nós aceitável seria uma res publica christiana; Herodes pode continuar a ser rei mesmo depois que nasceu o verdadeiro Rei, que não retira os reinos humanos porque dá o Reino dos céus. Mas, por outro lado, este governo é somente relativamente autônomo, porque deve prestar contas a Cristo, Rei dos reis, do qual recebe, em última análise, a própria autoridade. É este o motivo pelo qual Pio XI tinha ensinado que os governantes não deveriam rejeitar de prestar pública homenagem a Cristo Rei, o qual é verdadeiro Legislador e por isso possui verdadeiro poder temporal: legislativo, executivo e judiciário.

Não devemos esconder para nós que hoje estes ensinamentos parecem impossíveis de propor, em um mundo pluralista e multi-religioso. E é verdadeiro que é inútil propô-los desta forma. Porém, podem e devem ser mantidos e vividos no que se refere ao seu núcleo verdadeiro profundo. Desta doutrina, como pode aparecer hoje uma práxis não utópica e possível de ser realizada?

Mesmo não sendo este o momento de apresentar linhas precisas de ação, mesmo porque para fornecer semelhantes indicações é necessária uma competência específica, se pode dizer que um grande princípio pode inspirar indicações práticas concretas, que outros trarão em maneira mais detalhada. O Rei é Cristo e nós sabemos e queremos que Ele deva reinar socialmente, além também de espiritualmente. Portanto, a relação Igreja-mundo deve ser marcada por esta ação sacerdotal e laical, através da qual  o Reino de Cristo se expande nas almas e nos corpos sociais.

A VERDADE E DEFENDER

Provavelmente uma via possível de ser percorrida para isto consiste no concentrar-se sobre o tema da verdade. Isto porque o próprio Cristo que é o Rei do universo, é também a Verdade em Pessoa, como disse de Si mesmo: eu sou a Via, a Verdade e a Vida. Sem esquecer que o tema da verdade torna no Evangelho exatamente em um trecho com alto coeficiente político: o processo de Cristo por parte de Pilatos.  Também nesta ocasião, o Cristo Verdade está majestosamente diante do ceticismo do procurador romano que pergunta: o que é a verdade? Bento XVI na Caritas in veritate diz que a doutrina social da Igreja é “anúncio da verdade do amor de Cristo na sociedade. Tal doutrina é serviço da caridade, mas na verdade” (n. 5). Esta dimensão da verdade é fundamental nas nossas relações com o mundo.

Um primeiro modo concreto de expandir no mundo o reino de Cristo atuando a verdade é aquele de não idolatrar o mundo, ou seja, de não sofrer complexos de inferioridade diante deste.  Aproximar-se com tal complexo ao mundo implica sempre o querer agradá-lo, para ser por ele aceito. Com toda humildade devemos dizer: não é principalmente o mundo que tem algo a dar a Igreja, ou seja, ao Corpo Místico de Cristo, mas é exatamente o contrário. Não é tanto a Igreja a aprender do mundo quanto o mundo da Igreja, que é a Mãe e a Mestra, Mater et Magistra. Por acaso, já existiu uma mãe competente que pergunte ao filho o que fazer? Ou, uma professora competente que se declare incapaz de ensinar diante dos seus estudantes? A verdade é que a Igreja deve dar e ensinar ao mundo: não tenhamos, portanto, medo! Sejamos humildes, certo, conscientes dos nossos limites humanos. Mas os limites são nossos, não de Cristo e da sua verdade. Nós não portamos a nós mesmos, mas Ele e a sua doutrina; portanto, é preciso ter menos medo dos poderes mundanos e ser mais fortes no esforço. 

Segundo: a verdade quer que a Igreja saiba permanecer o que é, ou seja, o que Cristo a fez: sacramento universal de salvação. O Papa Bento XVI, na encíclica Deus Caritas est escreveu: “É por isso muito importante que a atividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na comum organização assistencial, se tornando uma simples variante” (n. 31). Recordar-se-á depois que o Papa Francisco, na primeira homilia como Pontífice, feita aos cardeais no dia depois da eleição, disse que a Igreja não é uma ONG. Para evitar se tornar uma agência de serviços, a Igreja tem necessidade da fé, ou seja, da doutrina professada, dos sacramentos, da oração e da penitência. Inútil iludir-nos que mudaremos o mundo sem estas realidades. Se assim pensássemos de poder fazer, nos tornaríamos de novo pelagianos, negando também nós a sadia reciprocidade entre natural e sobrenatural.

Terceiro: se opera na verdade dizendo a verdade, dando testemunho dela, quando é fácil e quando não o é. Não podemos e nem devemos jamais esconder a nossa fé: nem em família, nem sobre o trabalho, nem em política, nem no mundo cultural ou associativo de qualquer tipo. Recebemos o sacramento da Crisma exatamente para ter a força sobrenatural desta coragem de testemunhar. Romano Guardini nos encoraja a dizer sempre a verdade, mesmo quando esta coragem nos colocasse em uma situação difícil diante do mundo. Ele diz: “Quem fala, diga o que é, e como o vê e entende. Portanto, que exprima também com a palavra o quanto ele tem em seu coração. Pode ser difícil em algumas circunstâncias, pode provocar aborrecimentos, danos e perigos; mas a consciência nos recorda que a verdade obriga; que ela tem algo de incondicionado, que possui grandiosidade. Dela não se diz: Tu a podes dizer quando te agrada ou quando deves alcançar uma finalidade; mas: Tu deves dizer, quando fales, a verdade; não a deves nem reduzir, nem alterar. Tu a deves dizer sempre, simplesmente; mesmo quando a situação te induziria a silenciar ou quando podes facilmente escapar de uma pergunta” (Virtù, Brescia 1997, p. 21).

HERÓI COM UM IDEAL

Trata-se de palavras que ressoam no nosso coração provocando certa emoção e suscitando propósitos de compromisso. Mas, nos damos conta sempre mais de quanto seja oneroso dizer a verdade e lutar por ela, mesmo porque frequentemente nós não vemos imediatamente o efeito positivo da nossa coragem no falar. Aqui pode surgir em nós certo desânimo: para que serve dizer a verdade se quase ninguém escuta, se nada muda? Não é melhor uma diplomacia do compromisso, que pelo menos pode obter algo? A experiência histórica dos nossos compromissos tem demonstrado nos fatos que esta lógica é perdedora. Somente o testemunho da verdade vence, mesmo se depois de muito tempo. Nós não devemos lutar pela verdade somente na medida em que vemos que os outros nos escutam ou nos apreciam. Nós devemos lutar pela verdade porque a amamos e sabemos que devemos transmiti-la íntegra aos nossos posteriores, assim como nos foi transmitida pelos nossos predecessores.

Isto comporta um último aspecto: que para a verdade e para a difusão do Reino de Cristo nós devemos estar dispostos a sofrer. A sofrer a incompreensão, às vezes, também dentro da Igreja, e mais frequentemente na sociedade ou na família. E devemos estar dispostos a sacrificar também algo de notável, como uma brilhante carreira, eclesiástica ou civil, por amor à verdade. A verdade merece tais sacrifícios porque a verdade nos torna livres. Falando das associações católicas, o cardeal Giuseppe Siri, entrevistado, à pergunta: “Qual é, segundo o senhor, em um tempo de pluralidade de experiências, o segredo para a formação do laicato?”, respondia: “De formá-lo interiormente, não somente externamente, e de habituá-lo ao sacrifício e à coragem. As associações católicas, se não possuem combatividade, não valem nada. Vivem, antes, são eficazes para si mesmas” (cit. in R. Spiazzi [ed.], Il Cardinale Giuseppe Siri, Bologna 1990, p. 116). A nossa vida merece mais que isto. A vida dos católicos, de homens e mulheres conquistados por Cristo Redentor, é uma vida digna de ser vivida mais intensamente e corajosamente, que não ser medíocre navegando sobre o sem sentido quotidiano da sociedade contemporânea.

Concluamos chamando a atenção para o grande sucesso que nos últimos tempos estão recebendo os filmes que representam histórias de luta entre o bem e o mal, como (...) O Senhor dos anéis, ou  As Crônicas de Nárnia. A parte os efeitos especiais e alguns aspectos criticáveis, estes filmes atraem por um motivo profundo: eles transmitem uma visão heroica, uma visão épica da vida. A vida, nestes filmes, não é apresentada somente como a procura do pequeno prazer pessoal, mas como um bem que se deve gastar por um grande ideal, para que o mal seja vencido e o bem triunfe. Sendo necessário, os heróis destas sagas estão dispostos também a dar a vida para que este ideal se torne realidade. A fé cristã nos leva a viver assim, com um grande ideal e grandes horizontes. É de desejar que possamos viver neste mundo: não procurando a pequena esperança individual, que no final decepciona sempre, mas tendo a coragem de seguir o grande ideal do Evangelho e de dar por ele toda a nossa vida.

 (3 - FIM)



Hino: Hostis Herodes impie: https://www.youtube.com/watch?v=Z6FYj1yY7G8
Tradução do hino Hostis Herodes impie:

Filmes:

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