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terça-feira, 27 de novembro de 2018

Sobre a historicidade do 25 de dezembro como data do nascimento de Jesus



 

Todos os anos as notícias dos jornais, aqui e ali, falam novamente de qualquer diretor zeloso que proíbe fazer o presépio na escola. “Discriminatório” em relação aos fiéis de outras religiões, dizem. Ainda assim, o 25 de dezembro é agradável para todos ficarem em casa depois da escola, ou do trabalho, e respirarem uma atmosfera festiva. Mas por que exatamente o 25 de dezembro?

Há 2000 anos aproximadamente, nasceu um menino, o seu nome era Jesus. Não foi por acaso que a Sua Mãe disseram que “Ele está aqui (...) sinal de contradição, para que sejam revelados os pensamentos de muitos corações” (Lc 2,33). Mas sobre este testemunho histórico recaiu um manto de névoa, ao ponto de que – dizia Bento XVI em 2007 – o único Jesus que ainda se aceita é aquele “modernizado ou pós-modernizado (...) ou um Jesus de tal modo idealizado que parece mais um personagem de uma fábula”.

Querendo permanecer mais em superfície, podemos dizer que sobre o tema circula certa ignorância. O filósofo Giovanni Reale em uma entrevista de 2009 recordou um episódio significativo. “Um colega me disse que durante uma prova, a uma pergunta que interrogava sobre quem era Cristo, o candidato respondeu que se tratava de um autor que publicava as suas obras pela editora Mondadori. E a resposta era dada por um estudante universitário, tendo às costas todas as etapas da educação fundamental, média e superior. Trata-se de um “monstrum” do ponto de vista cultural, do qual jamais tinha ouvido nada igual”.

O problema é que esta ignorância, às vezes, foi alimentada por insuspeitáveis biblistas ou liturgistas. Sobretudo na segunda metade do século passado se difundia a ideia de que a data do 25 de dezembro fosse simplesmente uma data convencional, escolhida pelos cristãos para substituir a festa pagã do Sol invicto,  ou seja, uma festa do deus Mitra ou do imperador, que se dava por volta do solstício de inverno. Mas as coisas, com toda probabilidade, não são bem assim. 

Lucas, o evangelista que se apresenta como historiador atento, apresenta um fato aparentemente marginal, mas historicamente verificável. Trata-se do turno dos sacerdotes do templo, ou seja, as 24 classes que se alternavam no serviço de sábado a sábado duas vezes por ano. Então, segundo Lucas, o Arcângelo Gabriel apareceu ao sacerdote Zacarias, para anunciar-lhe que sua mulher Isabel daria à luz um filho, enquanto “exercitava as suas funções diante de Deus, o turno (em grego taxis) da sua classe (ephemeria)” (Lc 1,28), aquela de Abia (Lc 1,5)”. 

O turno de Abia, prescrito por duas vezes durante o ano, caia do 8 ao 14 do terceiro mês do calendário (lunar) hebraico e do 24 ao 30 do oitavo mês. Esta segunda vez, segundo o calendário solar, corresponde aos últimos dez dias de setembro. Em tal modo se demonstra histórica a data do nascimento do Batista (cfr.: Lc 1, 57-66) correspondente ao 24 de junho, nove meses depois do turno sacerdotal de Zacarias, o pai. Assim é também para a anunciação a Maria “no sexto mês” (Lc 1,28) da concepção de Isabel, correspondente ao 25 de março. Portanto, qual a última consequência, se deve considerar histórica a data do 25 de dezembro para o nascimento de Jesus, nove meses depois. 

Caso depois alguém tivesse dúvida sobre a confiabilidade do testemunho dos apóstolos e dos discípulos sobre a figura histórica de Jesus, pode referir-se aos múltiplos testemunhos dos historiadores não cristãos; Flávio José, Plínio o jovem, Mara Ben Serapion, Luciano de Samosata, Celso e, enfim, Tácito. E depois uma questão fundamental: por qual motivo os apóstolos e discípulos começaram a pregar para anunciar a boa nova, sabendo que facilmente podiam ser martirizados?  É razoável supor que o fizeram porque testemunhavam um personagem real, que verdadeiramente existiu, que não somente dizia de ser Deus, mas o atestava com as suas “obras” (cfr.: Jo 10, 37).

 



quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Compreender o presente: Um espectro circunda a Igreja: a gnose


A heresia gnóstica é camaleônica, se camufla, é multiforme, líquida e difícil de enquadrar. Contorna os obstáculos e assim se reapresenta na história, saindo dos percursos perigosos. E retornou a ameaçar a Igreja para mudá-la por dentro.

 

Parafraseando as primeiras palavras do Manifesto de Marx, podemos perguntar-nos se um espectro circunda a Igreja: a gnose. As velhas heresias, jamais verdadeiramente vencidas, atacam ainda? Contra elas combateram Hipólito, Justino, Irineu, Clemente, Agostinho. Contra a gnose cátara lutaram Inocêncio III, São Domingos, Simone de Montfort. Santo Tomás combateu a gnose com as suas Summae, e São Boaventura lutou contra os Joaquimitas e Espirituais dentro da ordem franciscana. Em Trento, os Padres conciliares contrastaram a gnose presente na reforma. Pio X enfrentou a gnose modernista. Perguntamos: quem luta hoje contra a gnose?

A heresia gnóstica é camaleônica, se camufla, é disfarçada, líquida e difícil de enquadrar. Contorna os obstáculos e assim se reapresenta na história, livrando-se de percursos difíceis. Traveste-se de cristianismo e quer transformar a Igreja a partir do seu interior. Basta pouco para substituir a palavra Logos com a palavra Gnose, mas São João diz que no princípio era o Logos e não a Gnose. Esta quer uma salvação sem conversão, se opõe à ordem do criado, despreza a lei, odeia o matrimônio e a procriação e celebra a sexualidade estéril, separa o corpo do espírito e acha que se pode ser puro ainda que na luxúria, transforma a Mensagem em uma fórmula exotérica que, conhecida, é capaz de salvar-nos, quer plasmar novamente a realidade, procura o novo contra a tradição, contrapõe espírito e letra, anuncia um futuro milenarista, pensa em uma evolução dos dogmas.

Marcião, no segundo século depois de Cristo, fundou uma igreja gnóstica. Ele pensava que ao Deus do Antigo Testamento, criador, legislador, juiz, se contrapusesse o Deus do Novo Testamento, manso, piedoso e misericordioso. A lei antiga do Decálogo teria sido substituída e anulada pela nova lei das Bem-aventuranças, de modo que seria possível ser de Cristo não respeitando as Tábuas da Lei. Um cristianismo não normativo, mas guiado pela espontaneidade leve do Espírito, uma Igreja carismática não sobrecarregada pela lei e pelo direito. Uma Igreja espiritual sem o peso da doutrina enquanto expressão não do Logos mas da Gnose. Uma Igreja em permanente revolução dentro de si mesma porque não sujeita à camisa de força da autoridade, mas da amorosa caridade e da misericórdia. Uma Igreja onde ninguém condene mais nada, para não se assemelhar ao falso deus do Antigo Testamento. Uma Igreja aberta ao futuro enquanto tal, não atenta a conservar o próprio passado. Aberta a todos e não cuidadosa de suas próprias fronteiras.

Quando na história da Igreja mudamos os paradigmas filosóficos e teológicos, é preciso sempre perguntar-nos se por detrás existam também causas espirituais e religiosas, se não existam heresias, a adoração de falsos deuses ou falsas adorações de Deus, além de falsos conceitos. Caso se diga que a doutrina evolui, que as barreiras doutrinais entre as religiões devem ser abatidas, que precisa correr em direção a uma única religião porque no fundo adoramos todos o mesmo Deus, que se celebra a religião da humanidade tendo no centro o homem e não Deus, se é invertida a relação entre a doutrina e a práxis, entre a norma e a situação, entre a lei e a consciência, entre a contemplação e a ação, se é feito apelo à Mãe Terra ao invés do Criador, se é aceita a sexualidade intencionalmente estéril como se fosse um valor, se é cultivada uma visão pagã da natureza ainda que se de um paganismo evoluído e sofisticado, se acredita-se que a salvação possa circular o depósito da fé conservado e transmitido fielmente pela Igreja... então significa que há tempo não somente mudou um paradigma de pensamento, um modo de ver as coisas pelo qual hoje se aceita o que ontem se condenava e se ensina o que ontem era proibido, mas quer dizer que pelas fissuras entrou um espírito novo de tipo religioso.

Com o passar do tempo, a gnose se materializou também em movimentos sociais, culturais, políticos. Todos os messianismos políticos possuem um fundo gnóstico. Todos os movimentos revolucionários também. A gnose iluminista dessacralizou a religião, aquela romântica destruiu a lei moral sobre o altar do sentimento, aquela comunista destruiu a verdade substituída pela práxis política, aquela de sessenta e oito agrediu a autoridade. Todas destruíram a ordem e produziram um futuro sobre as cinzas da ordem, ou seja, uma desordem. Também a Igreja pode viver a desordem, se se cofia ao sincretismo, se é invertida a relação entre pastoral e doutrina, se consulta a situação social antes do evangelho de sempre, se cede ao sentimento e renuncia a razão, se nega a justiça com a misericórdia, se nega, para dizer com o cardeal Caffarra, que a lógica da Providência divina conduza cada homem ao seu fim, respeitando a condição natural da própria criatura.


Stefano Fontana será um dos convidados do 7° Festival Nacional de Fé e Cultura (PROGRAMA E INSCRIÇÕES) que acontecerá em Verona, no 25 de novembro próximo, no Centro "Fortunata Gresner". 

 
Fonte:
http://www.lanuovabq.it/it/uno-spettro-si-aggira-per-la-chiesa-la-gnosi