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terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Entre fé e ciência: Coronavírus, o médico cuida, mas é Deus quem cura

Riccardo Barile

Como deve reagir um cristão diante do Coronavírus? Com uma sinfonia: de uma parte o médico, que é um dom de Deus, de outra parte a cura vem do Altíssimo, ao Qual se deve rezar. Sim, mas qual? A tradição vem em socorro: formulários, bênçãos e – por que não? – uma procissão pública para implorar a cessação das epidemias. Mas hoje seria antropologicamente, politicamente, culturalmente e eclesialmente incorreto.


 A recente e suposta epidemia do Coronavirus faz novamente surgir a pergunta sobre como um cristão deva reagir diante de fenômenos do tipo. Existe um texto sapiencial do Antigo Testamento belíssimo, profundíssimo e muito prático, que, porém deve ser citado quase por inteiro e é este:


Honra o médico por seus serviços,
porque o Senhor também o criou.
Do Altíssimo, de fato, vem a cura,
e também do rei ele recebe dons (...).
O Senhor criou medicamentos da terra,
o  homem prudente não os despreza (...).
E ele deu aos homens a ciência
para que fosse glorificado nas suas maravilhas.
Com elas o médico cura e elimina a dor,
com estas o farmacêutico prepara as misturas.
Certo que nunca desaparecerão as obras do Senhor;
dele provém o bem-estar sobre a terra.
Filho, não sejas negligente na doença,
mas reza ao Senhor e ele te curará.
Afasta o erro, governa as tuas mãos,
purifica o coração de todo pecado.
Oferece o incenso e um memorial de flor de farinha
e sacrifícios suaves segundo as tuas possibilidades.
Depois, recorre também ao médico, porque o Senhor também o criou:
não esteja distante de ti, porque existe necessidade dele.
Existem casos em que o sucesso está nas mãos deles;
também eles se dirigem ao Senhor em oração
para que conceda a eles a possibilidade de dar o alívio
e cura para salvar a vida.
Quem peca contra o próprio criador
Caia nas mãos do médico(Eclo 38,1-2.4.6-15).

Tecnicamente, a conclusão poderia soar problemática, mas a Bíblia de Jerusalém diz que a tradução literal hebraica do último versículo soaria mais coerente assim: Peca diante do Criador quem se faz forte diante do médico. Além do mais, a estima pelos médicos e os remédios para os cristãos não são ofuscados pelos numerosos milagres de cura realizados por Jesus Cristo, desde o momento que o apóstolo Paulo no final da carta aos Colossenses escreve: Vos saúdam Lucas, o caríssimo médico, e Demas (Col 4,14). Portanto Lucas é o caríssimo médico e a expressão deixa entender que a sua competência seja um fato normal e apreciável.

Superadas as barreiras técnicas, a mensagem profunda está na sinfonia de dois motivos concretamente inseparáveis: por uma parte o médico é um dom de Deus, como os remédios e como a inteligência que Deus concedeu a alguns para extrair da matéria que Deus mesmo criou, e, portanto não se pode deixar de lado o recurso ao médico; por outra parte a cura vem do Altíssimo, a quem é preciso recorrer em oração, primeiro o médico e depois os enfermos, ou ainda mais, não somente com a oração, mas também com a purificação dos pecados. Existe em tudo isto um equilíbrio católicoante litteram, que não opõe nem separa a natureza da graça, mas as compõe harmoniosamente.

Assim a Bussola confiou antes de tudo a um médico - Paolo Gulisano – uma análise sobre o Coronavírus. Resta usar algumas palavras sobre a segunda e complementar reação cristã, ou seja, sobre a oração, que neste caso é sustentada por duas razões: a primeira razão é a necessidade de rezar sempre diante de uma doença ou possível epidemia; a segunda razão é mais circunstancial, ou seja como reagir diante da angústia que a mídia tende a gerar: um cristão não pode limitar-se a ter medo como os outros que não possuem esperança (1Ts 4,13), mas deve mitigar o medo com a oração.

Dito isso, a pergunta é: Sim, mas como rezar?. Se ficamos a nível pessoal ou de pequeno grupo não existem dificuldades e muitas orações são úteis para essa finalidade: o Rosário, a adoração eucarística, diversas jaculatórias etc...

Ao invés, se há o desejo de entrar na liturgia incluindo sacramentos e sacramentais – a parte a eventual dificuldade de convencer quem deve presidir a entrar nesta perspectiva -, as possibilidades não são muitas, mas existem.

Os Formulários das Missas para as diversas circunstâncias da vida social são abertos aos fenômenos naturais, por exemplo, Em tempo de terremoto / Para pedir chuva / Para pedir bom tempo / Contra as tempestades, mas não se tratam do nosso caso, por isso devemos nos contentar com um formulário Para os enfermos ou de um formulário genérico Por alguma necessidade.

É melhor a Coleção das missas marianas com o formulário 44 Maria Virgem saúde dos enfermos, no qual a oração pede de gozar sempre a saúde da alma e do corpo e, pela intercessão de Maria, salvai-nos dos males que agora nos entristecem e guiai-nos para a alegria sem fim.

O Ritual de bênçãos (ed. Italiana), além da bênção para os enfermos (pp. 117-126, nn. 226-251 e os textos seguintes para circunstâncias particulares), possui uma Bênção para saúde em uma memória da Virgem Maria ou de um santo(pp. 795-801, nn. 1923-1940).

Tudo isto, porém resta dentro da igreja o de uma capela. Mas... e se quisermos sair e com que se não com uma procissão? Devemos recordar que na antiguidade e, sobretudo na idade média e no período barroco as procissões penitenciais para ser libertados das epidemias – de peste, mas não somente – foram freqüentes e frutuosas, tanto que muitos santuários ou imagens/ícones da Virgem Maria surgiram exatamente depois das libertação de uma epidemia.

Hoje existem procissões dentro da liturgia, por exemplo, aquela das velas no dia 2 de fevereiro, a da quinta feira santa para a reposição do Santíssimo Sacramento, a da solenidade depois da preparação do círio na vigília pascal etc..., mas as procissões públicas se limitam ao padroeiro (Nossa Senhora ou um santo) e para a solenidade do Corpo e Sangue de Cristo. Nem o cânon 944, nem o cap. XXI do Caeremoniale Episcoporum, nem os nn. 245-247 do Diretório sobre a piedade popular e a liturgia, que também falam moderadamente de procissões, prevêem explicitamente uma procissão penitencial para obter de Deus a libertação de uma contaminação. E se compreende: em uma sociedade sempre mais urbanizada as procissões colocam problemas de trânsito e, portanto não é o caso de aumentar, pois no contexto atual não exprimem mais um consenso social de todos, mas somente de uma parte, uma parte que é atentíssima a não colocar a lâmpada muito exposta mas sempre mais debaixo da cama, de modo que, como dizia o Cardeal Biffi, se consegue a vantagem de que não se perceba mais nem mesmo a diferença quando a lanterna se apaga(Il quinto evangelo 10).

Ainda assim uma procissão pública para implorar a cessação de uma epidemia – por agora não digo do Coronavírus, mas de uma epidemia verdadeira e acertada e devastadora -, seria uma bela e visível esperança de salvação proposta a todos mesmo se obviamente não imposta. 

Todavia para encontrar algo do tipo é preciso ir até antes do Concílio, ou seja, ao último ritual pré-conciliar, o Rituale Romanum edição típica de 1952. O Título X se refere às procissões e são ali elencadas e 13 regulamentadas. Uma delas é a Procissão em tempo de mortalidade e de peste, portanto em circunstâncias e conteúdos próximos à nossa situação, suposto que o Coronavírus se revelasse devastador. O esquema é aquele das Litanias Maiores ou dos Santos, usadas também nas Rogações, com as invocações e orações finais que variam, adaptadas às circunstâncias. Estas últimas são três. Em particular a segunda pede que Deus cure as doenças da alma e do corpo de modo que sempre nos alegremos nas vossas bênçãos. Mas, sobretudo a terceira e última oração pede que Deus, sendo propício às orações, afaste a peste e a mortalidade de modo que os corações dos homens mortais conheçam que sob a vossa indignação estes flagelos não apareçam nem progridam, enquanto que com a vossa misericórdia desapareçam (... ut mortalium corda cognoscant, et te indignante talia flagella prodire, et te miserante cessare)». Hoje seria uma oração antropologicamente, politicamente, culturalmente, eclesialmente incorreta, contudo com o censo de Davi (cf 2Sam 24,1-25) os fatos funcionaram exatamente assim!

Com isto não se quer propor de retornar a antes do Concílio. Não existe nada a ser copiado, mas muito a que inspirar-se. Quem sabe, se o Coronavírus aumenta, nos pode inspirar para organizar uma pequena procissão no dia 11 de fevereiro, Beata Virgem de Lourdes, que de enfermos e de enfermidades ela entende.

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