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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Violência doméstica: quando a vítima é ele



Em uma sociedade que há muito tempo está habituada a atribuir os episódios de violência doméstica ao feminicídio, o novo livro de Barbara Benedettelli, 50 Sfumature di violenza, femminicidio e maschicidio in Italia, Cairo Editore, (50 Tons de violência, feminicídio e masculinicídio na Itália), nos abre os olhos para uma realidade quase ignorada pela opinião pública.
Antecipado pelo panfleto Il maschicidio silenziosoPerché l’amore violento è reciproco e le donne non sono solo vittime, Collana Fuori dal Coro, Il Giornale (O masculinicídio silencioso – Porque o amor violento é recíproco e as mulheres não são somente vítimas, Coleção Fora do coro, Il Giornale), publicado em março de 2017, o livro se propõe a ajudar-nos a superar a equação mental, já familiar ao imaginário coletivo, segundo a qual o homem é em todos os casos o autor da violência e a mulher é sempre a vítima.
O texto – afirma uma postagem publicada no blog da própria autora, Una finestra sulla realtà (Uma janela sobre a realidade) – expõe ao seu interno uma volumosa investigação sobre dezenas de casos de crônica “frequentemente escondidas nas poucas linhas das últimas páginas dos jornais locais e que merecem ao invés atenção”.
A intenção, segundo a escritora, ativista pelos direitos das vítimas, não é a de diminuir a gravidade dos inumeráveis casos de violência que têm a mulher como objeto, mas mostrar uma realidade não menos grave que se refere a um número de casos não muito inferiores, mas sim desconhecidos.
Já no panfleto, a autora apresentou os dados do relatório Eures sobre características e perfis de risco do feminicídio de 2015, no qual emerge que no quinquênio 2010-2014, no qual se registra um total de 923 vítimas de violência doméstica, as vítimas sejam 578 mulheres e 345 homens.
Um quadro, este, sem dúvida inesperado porque alterado pelos interesses de muitos. Já apresentamos em outras ocasiões os dados reais dos casos de violência sobre as mulheres, em comparação com o perfil ampliado que o feminismo lhes deu.
Ninguém quer dar menos importância às mulheres vítimas, mas quando são os homens que morrem tudo se cala. Por quê? Não será talvez um modo para mostrar a família natural como uma instituição machista perigosa para a sociedade?

Luca Scalise

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terça-feira, 23 de janeiro de 2018

TRUMP PRO-VIDA: Marcha pela Vida, pela primeira vez a presença de um presidente

Stefano Magni

Em Washington DC, ao longo do National Mall, a grande avenida verde que conduz até a sede do Congresso dos USA, desfilaram dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças, pelo menos 100 mim, segundo a Fox News. Eram os manifestantes da Marcha pela Vida, o evento anual inaugurado em 1973 para protestar contra a sentença Roe vs. Wade que legalizou o aborto em toda a federação norte americana. Eram muitas as autoridades presentes, entre as quais Paul Ryan (presidente da Câmara). Mas também um convidado especial apareceu no vídeo da Casa Branca: o presidente Donald Trump. Trata-se de um evento histórico, porque, em todas as suas 45 edições, o grande evento pro life não tinha jamais registrado a participação de um presidente no cargo.

“A Marcha pela Vida é um movimento nascido do amor” – declarou um Trump, mais sereno que nunca, no Jardim das Rosas da Casa Branca. Uma escolha fortemente simbólica. Os manifestantes pro-life costumam presentear com uma rosa a cada membro do Congresso. “Vós amais a vossa família, amais o próximo, amais a nação, amais a cada criança, nascida ou ainda não, porque credes que toda vida seja sagrada, toda criança é um precioso dom de Deus. Nós sabemos que a vida é o milagre maior. O vemos nos olhos de toda nova mãe que cuida do seu maravilhoso, inocente, glorioso recém-nascido em seus braços amorosos. Eu quero agradecer a cada pessoa aqui, hoje, e em todo o nosso país que trabalha com compaixão e com devoção infatigável para permitir a cada genitor de desfrutar de toda a ajuda necessária para escolher a vida”. Foi, desde o início, um breve, mas intenso discurso, carregado de emoção e sentido, apreciado sinceramente pelos militantes pro-life. Deixou atordoados os observadores políticos que não esperavam uma tomada de posição assim tão drástica por parte de um presidente que, não faz um decênio, era declaradamente abortista.

Em 1999, de fato, entrevistado pela Tv Nbc, Trump tinha se definido: “muito pro-choice”, onde por pro-choice, nos USA, se entende que é a favor do aborto legal. “Eu odeio o próprio conceito de aborto – tinha dito ainda (quando era então financiador do Partido Democrático) – o odeio, odeio tudo o que este comporta. Sofro quando escuto as pessoas que discutem sobre isso. Mas, em todo caso, creio na liberdade de escolha”. Mesmo quando o entrevistador lhe tinha proposto uma pergunta sobre o aborto tardio, Trump tinha dito: “Não, não, sou pro-choice sob qualquer aspecto”. De abortista relutante, no entanto pela liberdade de escolha, algo mudou nas declarações de Trump  no início da sua corrida pela Casa Branca, em campo republicano, pouco antes da sua candidatura, em 2015. Os conservadores, entre os Republicanos, não tinham acreditado nele. Jogada oportunista e em vista de propaganda, se dizia e na duríssima campanha pelas primárias, os candidatos que tinham um passado de militantes pro-life o atacavam. Uma vez presidente, todavia, Trump demonstrou crer verdadeiramente nesta causa. A sua intervenção na Marcha pela Vida, antes de tudo: até agora os presidentes no cargo mais sensíveis à causa tinham se limitado a intervenções telefônicas no último ano de administração do segundo (e último mandato), quando podem conceder a si mesmos qualquer liberdade porque o seu trabalho está terminado e não devem mais ser reeleitos. Assim foi Ronald Reagan que fez uma intervenção por telefone em 1987 e George W. Bush em 2008. Pelo contrário, Donald Trump se apresenta e o faz na conclusão do seu primeiro ano de administração, portanto, quando a sua ação é ainda debaixo das lentes de aumento da mídia e da opinião pública, a três anos da sua possível reeleição.

A política pro-vida reivindicada por Trump no seu discurso é feita de alguns gestos concretos, mesmo se o corpo das leis é ainda estreito, por causa das oposições no Congresso (que chegam também por uma parte do Partido Republicano). “Na minha administração – declarou o presidente americano – defenderemos sempre o primeiro direito da Declaração de Independência, o direito à vida”. A primeira lei reivindicada é aquela que restabelece a Mexico City Policy, introduzida por Ronald Reagan e restabelecida por todos os seus sucessores republicanos: trata-se da proibição de financiar com fundos federais as Ongs que promovem no exterior políticas de planejamento familiar. Exatamente nesta semana, o presidente assinou uma ordem executiva que institui um escritório especial para a proteção dos direitos dos médicos e paramédicos que por objeção de consciência se recusam a praticar abortos. Outra lei promovida pela administração, permite aos Estados dos USA, autonomamente, cortar os financiamentos públicos do programa Medicaid (programa federal que cobre as despesas médicas às famílias menos abastadas) destinados a Planned Parenthood, o maior fornecedor de serviços abortistas na América. Ainda em fase de discussão no Congresso e defendida pela administração, existe a lei contra os abortos tardios. Se conseguir passar, tornaria ilegais os abortos de fetos durante a vigésima semana, com penas que chegam a 5 anos de cárcere para os transgressores.

A política de Donald Trump paga, em termos eleitorais? Por enquanto é uma aposta ainda muito árdua. Seguramente a tomada de posição pro-life é ainda um risco, de acordo com as pesquisas. Os pro-choice destacam sempre que a maioria dos americanos, pelo menos mais de 50%, é sempre favorável ao aborto legal. Todavia a tendência está se invertendo. Como mostra uma pesquisa feita pelos Cavaleiros de Colombo, se é verdade que a maioria é favorável ao aborto legal em sentido lato, por outro lado 76% dos americanos é favorável a colocar limites às práticas abortivas e 63% é a favor da proibição do aborto tardio.

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terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Geração iPhone: uma catástrofe antropológica



Benedetta Frigerio 

 

Obcecados  pelo “eu gosto”, assustados pelo estar isolados mas somente sobre o social (não importa se são também assim na vida), gostariam de livrar-se da sua “terceira mão”, o smartphone, mas basta que se deparem com a realidade, se assustam e preferem retornar para os seus quartos confortáveis, onde os pais os deixam viver (pensando que seja um lugar mais seguro que a rua) colados na internet e de onde têm acesso a um mundo sob medida, capaz de satisfazer  imediatamente, sem sacrifícios, todas as suas pulsões e desejos. Assim, incapazes de relacionamentos, de enfrentar os problemas, são deprimidos, não são rebeldes e até mesmo desinteressados da sexualidade carnal. Em poucas palavras, são súditos perfeitos.

Não são hipóteses abstratas, mas fruto de pesquisas sobre milhões de adolescentes efetuadas sobretudo nos Estados Unidos, onde “os filhos do smartphone”, nascidos entre 1995 e 2005, possuem aparência completamente diferente da geração precedente, com uma lacuna geracional de amplidão sem precedentes na história (a documentação mais ampla se encontra no livro de Jean M. Twenge "iGen", ou seja , "Geração iPhone").  

Basta pensar que um dos estudos mais recentes, da State University de San Diego, que coloca em relação os sintomas depressivos e o risco de suicídios com o uso dos dispositivos eletrônicos por parte de 133 mil adolescentes, deu como resultado um aumento da depressão entre 2012 e 2015 entre as moças que passaram mais horas do dia diante dos aparelhos eletrônicos (são, sobretudo as mulheres que usam o Facebook e Instagram): a chaga cresceu somente em 3 anos em 58 por cento. Não somente, o uso de internet por cinco ou mais horas durante o dia está correlacionado a um incremento da depressão conexa ao risco de suicídio em 71 por cento. Pelo contrário, como explicam os pesquisadores da Florida State University, entre os adolescentes e as pessoas que vivem uma vida social e de relacionamentos concretos, mesmo praticando esporte e atividades ao ar livre, o percentual dos sintomas de depressão decresce amplamente.

É dito também que os estudos comparativos da iPhone Generation e daquela que a precede,  classes sociais e situações familiares e acadêmicas idênticas, evidenciam  que não é a depressão devida ao background pessoal a empurrar os adolescentes para a alienação das mídias sociais. Pelo contrário, é o próprio uso das mídias a gerar determinados mecanismos que se instauram na mente e no corpo de quem as usa, expondo-se a uma vida virtual onde todos parecem felizes e belos, onde às vezes ficam encantados com os vídeos dementes e repetitivos e com imagens que satisfazem continuamente a pessoa que os observa gerando dependência.

Não se pense que o fenômeno se verifique somente além do oceano, porque o alarme está crescendo também na Itália. Não é por acaso que os nossos médicos mostram exatamente a mesma coisa. Em 30 de dezembro passado, Augusto Biasini, do hospital Bufalini de Cesena, confirmou que “vemos também nós, em medida sempre maior, as dependências do celular. Falo de adolescentes colados ao display dia e noite. Cuidamos de meninos de 10 a 12 anos acompanhados no ambulatório pelos pais: não conseguiam mais separar-se dos seus aparelhos”.

Mas de quem é a culpa? Dos celulares? Bem, a fotografia realista e deprimente de Biasini é mais ampla: “Basta ver na pizzaria durante a noite; ele e ela à mesa, os dois a pressionar as teclas do telefone, e assim também as crianças preocupadas em mandar mensagens, ninguém se fala”. Como se dissessem que o problema é certamente a tecnologia, mas antes ainda os adultos que abusam destes meios e que permitem às crianças e adolescentes de viver colados na pequena tela, que segue todos até mesmo no banheiro (as pesquisas dizem que os jovens não conseguem adormecer se o celular não estiver próximo do travesseiro deles a não ser que entrem em crise de abstinência). Exatamente como acontece a um dependente químico com as substâncias tóxicas. 

Não se trata de um exagero, pois o próprio inventor do iPhone, Steve Jobs, que intencionalmente ou não escolheu como símbolo da sua empresa exatamente uma maça mordida (agora constantemente a nossa disposição), impedia seus filhos de usar a tecnologia a não ser em casos estritamente necessários, mas também o ex-presidente do Facebook, Chamath Palihapitiya,  explicando que se sentia culpado, confessou: “Criamos um sistema de gratificação a curto prazo de like e de feedback guiado pela dopamina, que está destruindo o modo normal com o qual a sociedade funciona... isto que digo não é um problema somente americano...tem a ver com todo o mundo”. Não por acaso, esclareceu “que usava o Facebook o menos possível” e que aos seus filhos “não é permitido usar esta nojeira”. 

Mas o que torna a tecnologia uma droga perigosa, que aflige pela primeira vez também as crianças com danos irreparáveis no cérebro, o descreve Simon Sinek, conhecido consultor de leadership e management, muito requisitado pelas empresas americanas que sofrem os efeitos perdidos desta geração frágil. “As redes sociais são um fator de geração de dependência. A interação com as redes sociais ou com os telefones torna felizes por causa da liberação de dopamina. Quando se recebe uma mensagem, a pessoa se sente feliz porque o seu corpo libera dopamina. O mesmo acontece quando recebemos like em uma das nossas postagens, e mais like recebemos, mais nos sentimos felizes e, portanto maior é a liberação de dopamina. 

A dopamina é o neurotransmissor que tem funções específicas de controle sobre as sensações de prazer, de recompensa, sobre a capacidade de atenção, e assim por diante. Toda vez que o cérebro é estimulado por fatores externos de prazer ou de recompensa (como os like no Facebook, ou uma refeição agradável ou pela atividade sexual satisfatória) a dopamina é liberada. A dopamina é liberada pelo organismo também quando fumamos, bebemos ou jogamos, ou até mesmo quando fazemos coisas com alto risco de dependência. Eis porque somos tão dependentes das tecnologias. Porque nos permitem de liberar dopamina e, portanto de regular o nosso mecanismo de sensação do prazer. Mais dopamina é liberada, mais prazer; mais se experimenta prazer, mais dopamina vem liberada: é portanto um espiral infinito. A tecnologia e o uso das mídias sociais implica esta troca neurológica, que é por si mesma potencialmente geradora de dependência... Portanto os Millennials (ou seja, o iPhone generation, ndr) são deixados à mercê de um uso descontrolado de tecnologias que criam complexas formas de dependência e que os fazem fugir da realidade. E este ponto está estreitamente conexo com o aspecto da impaciência”.

As consequências disto, porém, não são somente a impaciência e a depressão que nasce da incapacidade de suportar frustrações, mas algo que se refere à antropologia humana a 360 graus. Biasini continua recordando que estes “dependentes” não somente são “mais lentos, depressivos, vulneráveis psicologicamente”, mas são “como estranhos também para os seus próprios pais”. São “sedentários e gordos, sempre mais lento na corrida... se cansam no esforço de socialização. O número dos rapazes que mantêm o hábito de sair com os amigos caiu a 40 por cento... são menos interessados em cortejar e em relacionar-se com o outro sexo. São também pouco interessados em sair, um em cada quatro no final dos estudos não possuem ainda a carteira de motorista”.

Destacando que os principais responsáveis desta praga são os educadores e a família que protege imoderadamente os filhos dos problemas do mundo real, Sinek prossegue procurando soluções dado que "no trabalho, na sala de espera do médico, no trem, usamos continuamente o celular sem interagir”, enquanto “a confiança entre as pessoas  se cria nos tempos mortos e não imediatamente”. A principal via de saída está, portanto na redução do uso dos aparelhos eletrônicos e por isso “não devemos permitir o uso dos celulares nas reuniões... quando saio para jantar com meus amigos deixamos o celular em casa... é como para os alcoólatras, o motivo pelo qual retiras de casa o álcool é que não somos bastante fortes, mas se removes a tentação é tudo mais fácil... nenhum de nós deveria levar o telefone para a cama, deveríamos carregá-lo durante o dia... se te acordas de noite não consegues dormir e buscas o telefone para olhar, o que é pior”. 

De fato, agradando ou não, conclui, “se não tens o telefone podes também desfrutar do mundo e é assim que chegam as ideias, as ideias chegam quando a mente divaga e te vem uma ideia, esta é inovação, mas nos estamos privando de todos estes pequenos momentos... temos a responsabilidade de reparar este dano, de ajudar a esta geração a ter confiança, a aprender a paciência, as habilidades sociais a encontrar o equilíbrio entre a vida e a tecnologia”. A alternativa é deixar que cresçam súditos dependentes de um poder que, em troca de prazeres instantâneos, de comodidade e de aparente bem-estar, limpa a humanidade deles, os seus desejos mais profundos e portanto a liberdade que possuem.

 
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terça-feira, 9 de janeiro de 2018

O católico errante e a procura da liturgia perdida




Estou notando, entre as pessoas que crêem, que se difunde um novo fenômeno. Ou melhor, uma nova figura. O chamarei de o “católico errante”.

Trata-se de um bom católico, um pouco de todas as idades e condições sociais, que vaga de igreja em igreja, de paróquia em paróquia. Por que o faz? Porque, cansado de liturgias desleixadas e de igrejas feias, de padres hiperativos ou apáticos, de paroquianos superexaltados ou deprimidos, procura uma igreja que seja simplesmente normal, com um padre que seja simplesmente padre, uma liturgia simplesmente digna, um edifício simplesmente respeitoso do sagrado, fiéis simplesmente bem educados.

O católico errante não possui muitas pretensões. Em geral não é um tradicionalista. Ele cresceu na Igreja do pós-concílio, deste assimilou tudo o que tem de bom. Porém é cansado, muito cansado. Não suporta mais as degenerações nascidas de uma leitura torta do Concílio, não consegue mais conviver com ignorância e superficialidade. Não suporta mais músicas por nada sagradas, coros desentoados, autofalantes de discoteca, concessões absurdas nas celebrações. Não suporta mais fiéis barulhentos e desorganizados. Não consegue suportar igrejas horríveis, padres que celebram com calçados de ginástica, cartazes de propaganda pendurados entre Nossa Senhora e São José. Não aceita mais ouvir homilias improvisadas ou excessivamente imaginativas. Não aceitam mais párocos que terminam a missa como se fosse uma prática administrativa ou que a transformam em espetáculo. Está também cansado de ser visto como um provocador toda vez que ousa dizer como a entende. Desse modo, se coloca em viagem e se torna um católico errante. 

O seu objetivo é naturalmente aquele de tornar a ser um católico fixo, e se deve dizer que ele muitas vezes consegue. Felizmente, este nosso tempo não é sem esperança. Existem ainda muitos padres simples e sensatos, guiando paróquias normais no melhor sentido do termo. Existem ainda muitos bons pregadores. Existe ainda atenção pela coerência litúrgica, pela beleza do canto, pela música verdadeiramente sacra. Porém, são tesouros que devem ser procurados. E o método mais utilizado pelo católico errante é o boca a boca. Como no seguinte exemplo de diálogo entre um ex-católico errante que se tornou fixo, que chamaremos de Fulano, e um católico fixo que está para se tornar errante, e que chamaremos Sicrano. 

Fulano: Olá Sicrano!
Sicrano: Olá Fulano!
Fulano: Sabe que eu encontrei uma bela paróquia? A Igreja não é nem muito pequena, nem muito grande e a acústica é perfeita, tanto que não há necessidade de alto-falante. Os cantos são estupendos, alguns inclusive em latim. Nada de violão, nada de baterias. Imagine que os fiéis, quando entram e saem, fazem genuflexão! E ninguém fica conversando como se estivesse na praça do mercado.
Sicrano: É mesmo? Não acredito!
Fulano: Sim, é tudo verdade! E o pároco não é um ativista. Nada de sorteios, nada de viagens, nada de iniciativas estranhas. Não sofre de logorreia. Somente oração, adoração eucarística e catecismo. E muito cuidado pela liturgia. E muitas horas passadas no confessionário.
Sicrano: Mas, isso parece impossível!
Fulano: A mim também parecia impossível. Depois encontrei esta paróquia e me retornou a vontade de ir à igreja. E ainda não te falei das pregações: belíssimas! O pároco não sofre de protagonismo, nem é monomaníaco. Limita-se a comentar o Evangelho do dia e toda vez o faz com simplicidade, mas sem se tornar banal. E sabe atrair a atenção de todos, crianças e idosos, cultos ou menos!
Sicrano: Diga-me logo onde se encontra esta paróquia!
Eis que as coisas mais ou menos acontecem assim. É verdade que o trânsito sente isso, pois todos estes católicos errantes são obrigados a mover-se percorrendo muitos quilômetros. Mas vale a pena para eles.

Ainda que o católico errante frequentemente não o saiba (porque é uma pessoa simples, movida somente pela fé e pelo desejo do belo e do sagrado), o “Código de direito canônico” está do seu lado. O Código, de fato, reconhece não somente o direito de receber dos pastores a ajuda derivante dos bens espirituais da Igreja, especialmente através da Palavra de Deus e dos sacramentos, mas também “o direito de render culto a Deus segundo as disposições do próprio rito aprovado pelos legítimos pastores da Igreja e de seguir um próprio método de vida espiritual, que seja, porém conforme a doutrina da Igreja” (ndt.: Cânon 214). Portanto, existe um direito a evitar as distorções, as estranhezas e as ambiguidades, para não falar das verdadeiras e próprias profanações. 

Na realidade, o Código diz que as aberrações litúrgicas devem ser sempre relatadas e denunciadas, e que ainda mais, para o católico, este é um preciso dever. Mas, o católico errante, movido de piedade, frequentemente prefere estender um véu piedoso e, ao invés de escrever para o bispo e expor as suas queixas, se coloca em viagem.

O católico errante não faz outra coisa a não ser procurar o que cabe a ele. Sobre isso, explica muito bem o liturgista Nicola Bux naquele precioso livro que é “Como ir à Missa e não perder a fé”, onde recorda que em todos os casos em que a comunidade, ao invés de louvar a Deus, celebra a si mesma (como diz Joseph Ratzinger, transforma a liturgia em “uma dança vazia em torno ao bezerro de ouro que somos nós mesmos”), é preciso reagir.

Poucos sabem, e o liturgista Nicola Bux o destaca: na instrução “Redemptionis sacramentum” de 2004, preparada pela Congregação para o culto divino de acordo com a Congregação para a doutrina da fé, se lê que todos os fiéis “gozam do direito de ter uma liturgia verdadeira e em particular modo uma celebração da santa Missa que seja como a Igreja quis e estabeleceu, como prescrito nos livros litúrgicos e pelas leis e normas”. Portanto, nada de fantasias, nada de acréscimos, nada de deturpações, porque “o povo católico possui o direito de que seja celebrado em modo íntegro o sacrifício da santa Missa, em plena conformidade com a doutrina do magistério da Igreja”.

Hoje, 7 de julho de 2017, já se passaram dez anos exatos da carta apostólica em forma de motu próprio “Summorum pontificum” de Bento XVI, que, junto com a instrução “Universae Ecclesiae”, permitiu o multiplicar-se das Missas em rito antigo, segundo uma exigência sempre mais difusa. A data é, portanto, propícia para recordar que por séculos a Igreja, frequentemente através da arte, da música, da arquitetura, orientou tudo para a glória de Deus, para a oração, para a salvaguarda da doutrina. Depois, improvisamente, uma ideia distorcida de atualização deu início aos horrores.

Não é necessário fazer uma relação. De igrejas feias e tabernáculos desaparecidos, ou colocados em um canto, nos ocupamos em outra ocasião. Aqui gostaria somente de destacar a verbosidade que fez irrupção na celebração da Missa. Verbosidade quer dizer que se fala muito, se reza pouco e se adora ainda menos. Nicola Bux escreve que a Missa “não é uma conferência onde se deve compreender tudo”, portanto, é inútil que o celebrante se preocupe em explicar cada coisa, em modo didascálico, quase dessacralizando a liturgia. “A linguagem litúrgica não pode ser aquela do cotidiano” e “compreender a realidade da liturgia é diferente de compreender as palavras”. É preciso deixar espaço para o mistério e deixar-se conduzir pelo mistério. São Boaventura chega a dizer que durante a liturgia é preciso suspender a atividade intelectual. A liturgia é essencialmente adoração a Deus.

Uma menção deve ser feita sobre o papel da comunidade, do povo de Deus. Este participa da Missa, mas atenção, não é o sujeito da Missa. Tanto é verdade que o celebrante pode muito bem estar sozinho e a Missa permanece plenamente válida. Portanto, deve ser evitado o protagonismo do celebrante, deve ser evitado também aquele da assembleia, caso contrário haverá o risco de que a ação litúrgica se torne espetáculo em relação ao qual todos estarão desejosos de ter uma participação. Participar não quer dizer competir no protagonismo, mas estar exatamente no lugar, com discrição. Uma má compreensão do sentido de participação leva a envolver o povo em modo impróprio. “Participar ativamente significa cooperar com a graça de Deus; não é atividade exterior”.

Belíssimas depois são as páginas nas quais Nicola Bux explica a necessidade e o significado do ajoelhar-se. O Evangelho e os Atos dos Apóstolos nos dizem que Jesus, Pedro, Paulo e Estêvão rezaram ajoelhados. “Toda a criação se prostra de joelhos diante do nome de Jesus (cf.: Fl 2,10), sinal da soberania de Deus sobre o mundo. Em tal gesto de verdade se insere a Igreja ao glorificar Jesus Cristo”. O ajoelhar-se, o fazer genuflexão e o inclinar-se são atos de culto externo, certamente, mas também de fé. Ajudam-nos na oração e na adoração. Como escreveu Romano Guardini: “Quando entrardes em uma Igreja ou dela sairdes, dobrai o teu joelho profundamente, lentamente; o que isto quer significar: “Meu grande Deus!...”. Isto, de fato, é humildade e é verdade e toda vez fará bem à vossa alma”.

Sim, nos fará bem. Como o silêncio, o “sagrado silêncio”, que é ele mesmo oração e manifestação de fé e adoração. Aquele silêncio que hoje é negligenciado nas celebrações cheias de clamor, nas quais se chega até mesmo ao aplauso. Como se ação litúrgica, igualmente a um espetáculo, tivesse que provocar emoções e não ajudar-nos a entrar no mistério permanente de Cristo sobre a cruz. 

Concluindo, o católico errante possui todo o direito de colocar-se a procura de liturgias limpas, sóbrias, essenciais, belas, eficazes. E é compreensível que, uma vez encontrado um tesouro assim tão grande, o queira compartilhar. 

Aldo Maria Valli

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