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terça-feira, 9 de janeiro de 2018

O católico errante e a procura da liturgia perdida




Estou notando, entre as pessoas que crêem, que se difunde um novo fenômeno. Ou melhor, uma nova figura. O chamarei de o “católico errante”.

Trata-se de um bom católico, um pouco de todas as idades e condições sociais, que vaga de igreja em igreja, de paróquia em paróquia. Por que o faz? Porque, cansado de liturgias desleixadas e de igrejas feias, de padres hiperativos ou apáticos, de paroquianos superexaltados ou deprimidos, procura uma igreja que seja simplesmente normal, com um padre que seja simplesmente padre, uma liturgia simplesmente digna, um edifício simplesmente respeitoso do sagrado, fiéis simplesmente bem educados.

O católico errante não possui muitas pretensões. Em geral não é um tradicionalista. Ele cresceu na Igreja do pós-concílio, deste assimilou tudo o que tem de bom. Porém é cansado, muito cansado. Não suporta mais as degenerações nascidas de uma leitura torta do Concílio, não consegue mais conviver com ignorância e superficialidade. Não suporta mais músicas por nada sagradas, coros desentoados, autofalantes de discoteca, concessões absurdas nas celebrações. Não suporta mais fiéis barulhentos e desorganizados. Não consegue suportar igrejas horríveis, padres que celebram com calçados de ginástica, cartazes de propaganda pendurados entre Nossa Senhora e São José. Não aceita mais ouvir homilias improvisadas ou excessivamente imaginativas. Não aceitam mais párocos que terminam a missa como se fosse uma prática administrativa ou que a transformam em espetáculo. Está também cansado de ser visto como um provocador toda vez que ousa dizer como a entende. Desse modo, se coloca em viagem e se torna um católico errante. 

O seu objetivo é naturalmente aquele de tornar a ser um católico fixo, e se deve dizer que ele muitas vezes consegue. Felizmente, este nosso tempo não é sem esperança. Existem ainda muitos padres simples e sensatos, guiando paróquias normais no melhor sentido do termo. Existem ainda muitos bons pregadores. Existe ainda atenção pela coerência litúrgica, pela beleza do canto, pela música verdadeiramente sacra. Porém, são tesouros que devem ser procurados. E o método mais utilizado pelo católico errante é o boca a boca. Como no seguinte exemplo de diálogo entre um ex-católico errante que se tornou fixo, que chamaremos de Fulano, e um católico fixo que está para se tornar errante, e que chamaremos Sicrano. 

Fulano: Olá Sicrano!
Sicrano: Olá Fulano!
Fulano: Sabe que eu encontrei uma bela paróquia? A Igreja não é nem muito pequena, nem muito grande e a acústica é perfeita, tanto que não há necessidade de alto-falante. Os cantos são estupendos, alguns inclusive em latim. Nada de violão, nada de baterias. Imagine que os fiéis, quando entram e saem, fazem genuflexão! E ninguém fica conversando como se estivesse na praça do mercado.
Sicrano: É mesmo? Não acredito!
Fulano: Sim, é tudo verdade! E o pároco não é um ativista. Nada de sorteios, nada de viagens, nada de iniciativas estranhas. Não sofre de logorreia. Somente oração, adoração eucarística e catecismo. E muito cuidado pela liturgia. E muitas horas passadas no confessionário.
Sicrano: Mas, isso parece impossível!
Fulano: A mim também parecia impossível. Depois encontrei esta paróquia e me retornou a vontade de ir à igreja. E ainda não te falei das pregações: belíssimas! O pároco não sofre de protagonismo, nem é monomaníaco. Limita-se a comentar o Evangelho do dia e toda vez o faz com simplicidade, mas sem se tornar banal. E sabe atrair a atenção de todos, crianças e idosos, cultos ou menos!
Sicrano: Diga-me logo onde se encontra esta paróquia!
Eis que as coisas mais ou menos acontecem assim. É verdade que o trânsito sente isso, pois todos estes católicos errantes são obrigados a mover-se percorrendo muitos quilômetros. Mas vale a pena para eles.

Ainda que o católico errante frequentemente não o saiba (porque é uma pessoa simples, movida somente pela fé e pelo desejo do belo e do sagrado), o “Código de direito canônico” está do seu lado. O Código, de fato, reconhece não somente o direito de receber dos pastores a ajuda derivante dos bens espirituais da Igreja, especialmente através da Palavra de Deus e dos sacramentos, mas também “o direito de render culto a Deus segundo as disposições do próprio rito aprovado pelos legítimos pastores da Igreja e de seguir um próprio método de vida espiritual, que seja, porém conforme a doutrina da Igreja” (ndt.: Cânon 214). Portanto, existe um direito a evitar as distorções, as estranhezas e as ambiguidades, para não falar das verdadeiras e próprias profanações. 

Na realidade, o Código diz que as aberrações litúrgicas devem ser sempre relatadas e denunciadas, e que ainda mais, para o católico, este é um preciso dever. Mas, o católico errante, movido de piedade, frequentemente prefere estender um véu piedoso e, ao invés de escrever para o bispo e expor as suas queixas, se coloca em viagem.

O católico errante não faz outra coisa a não ser procurar o que cabe a ele. Sobre isso, explica muito bem o liturgista Nicola Bux naquele precioso livro que é “Como ir à Missa e não perder a fé”, onde recorda que em todos os casos em que a comunidade, ao invés de louvar a Deus, celebra a si mesma (como diz Joseph Ratzinger, transforma a liturgia em “uma dança vazia em torno ao bezerro de ouro que somos nós mesmos”), é preciso reagir.

Poucos sabem, e o liturgista Nicola Bux o destaca: na instrução “Redemptionis sacramentum” de 2004, preparada pela Congregação para o culto divino de acordo com a Congregação para a doutrina da fé, se lê que todos os fiéis “gozam do direito de ter uma liturgia verdadeira e em particular modo uma celebração da santa Missa que seja como a Igreja quis e estabeleceu, como prescrito nos livros litúrgicos e pelas leis e normas”. Portanto, nada de fantasias, nada de acréscimos, nada de deturpações, porque “o povo católico possui o direito de que seja celebrado em modo íntegro o sacrifício da santa Missa, em plena conformidade com a doutrina do magistério da Igreja”.

Hoje, 7 de julho de 2017, já se passaram dez anos exatos da carta apostólica em forma de motu próprio “Summorum pontificum” de Bento XVI, que, junto com a instrução “Universae Ecclesiae”, permitiu o multiplicar-se das Missas em rito antigo, segundo uma exigência sempre mais difusa. A data é, portanto, propícia para recordar que por séculos a Igreja, frequentemente através da arte, da música, da arquitetura, orientou tudo para a glória de Deus, para a oração, para a salvaguarda da doutrina. Depois, improvisamente, uma ideia distorcida de atualização deu início aos horrores.

Não é necessário fazer uma relação. De igrejas feias e tabernáculos desaparecidos, ou colocados em um canto, nos ocupamos em outra ocasião. Aqui gostaria somente de destacar a verbosidade que fez irrupção na celebração da Missa. Verbosidade quer dizer que se fala muito, se reza pouco e se adora ainda menos. Nicola Bux escreve que a Missa “não é uma conferência onde se deve compreender tudo”, portanto, é inútil que o celebrante se preocupe em explicar cada coisa, em modo didascálico, quase dessacralizando a liturgia. “A linguagem litúrgica não pode ser aquela do cotidiano” e “compreender a realidade da liturgia é diferente de compreender as palavras”. É preciso deixar espaço para o mistério e deixar-se conduzir pelo mistério. São Boaventura chega a dizer que durante a liturgia é preciso suspender a atividade intelectual. A liturgia é essencialmente adoração a Deus.

Uma menção deve ser feita sobre o papel da comunidade, do povo de Deus. Este participa da Missa, mas atenção, não é o sujeito da Missa. Tanto é verdade que o celebrante pode muito bem estar sozinho e a Missa permanece plenamente válida. Portanto, deve ser evitado o protagonismo do celebrante, deve ser evitado também aquele da assembleia, caso contrário haverá o risco de que a ação litúrgica se torne espetáculo em relação ao qual todos estarão desejosos de ter uma participação. Participar não quer dizer competir no protagonismo, mas estar exatamente no lugar, com discrição. Uma má compreensão do sentido de participação leva a envolver o povo em modo impróprio. “Participar ativamente significa cooperar com a graça de Deus; não é atividade exterior”.

Belíssimas depois são as páginas nas quais Nicola Bux explica a necessidade e o significado do ajoelhar-se. O Evangelho e os Atos dos Apóstolos nos dizem que Jesus, Pedro, Paulo e Estêvão rezaram ajoelhados. “Toda a criação se prostra de joelhos diante do nome de Jesus (cf.: Fl 2,10), sinal da soberania de Deus sobre o mundo. Em tal gesto de verdade se insere a Igreja ao glorificar Jesus Cristo”. O ajoelhar-se, o fazer genuflexão e o inclinar-se são atos de culto externo, certamente, mas também de fé. Ajudam-nos na oração e na adoração. Como escreveu Romano Guardini: “Quando entrardes em uma Igreja ou dela sairdes, dobrai o teu joelho profundamente, lentamente; o que isto quer significar: “Meu grande Deus!...”. Isto, de fato, é humildade e é verdade e toda vez fará bem à vossa alma”.

Sim, nos fará bem. Como o silêncio, o “sagrado silêncio”, que é ele mesmo oração e manifestação de fé e adoração. Aquele silêncio que hoje é negligenciado nas celebrações cheias de clamor, nas quais se chega até mesmo ao aplauso. Como se ação litúrgica, igualmente a um espetáculo, tivesse que provocar emoções e não ajudar-nos a entrar no mistério permanente de Cristo sobre a cruz. 

Concluindo, o católico errante possui todo o direito de colocar-se a procura de liturgias limpas, sóbrias, essenciais, belas, eficazes. E é compreensível que, uma vez encontrado um tesouro assim tão grande, o queira compartilhar. 

Aldo Maria Valli

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