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terça-feira, 2 de outubro de 2018

Comunismo, aqueles "erros da Russia" que fazem prosélitos


GILBERTO ZAPPITELLO

Maio de 2018 se conclui com uma série de celebrações do comunismo: o bicentenário de Marx e os 50 anos de aniversário do episódio de 68. A memória está ainda muito condicionada pela ideologia. Porque é uma “fé”, como nos explica Gilberto Zappitello, autor de A fé no comunismo.


O mês de maio de 2018 se conclui com uma série de celebrações do comunismo: o bicentenário de Marx e os 50 anos do episódio de 68. A memória está ainda muito condicionada pela ideologia, ao ponto de eclipsar, exatamente para fazer um exemplo, outro aniversário de 50 anos, o da primavera de Praga. Ou seja, a grande revolta, mais cultural que política, contra o regime comunista Checoslovaco. O comunismo, de fato, mesmo se historicamente derrotado, mantém ainda a sua hegemonia na memória histórica.

Como já vimos com Kishore Jayabalan, diretor do Instituto Action, o comunismo é ainda um potente "ópio dos intelectuais”, que agrada também aos cristãos. E como já recordamos com o filósofo Dario Antiseri, o pensamento de Marx teve sempre a pretensão de ser uma ciência, mesmo se revelando uma “cruel metafísica”. Hoje La Nuova Bussola Quotidiana encontra Gilberto Zappitelo, autor de La fede nel comunismo (Itaca, 2013), um estudo sobre as origens da mais potente ideologia do século XIX e da sua matriz “religiosa”. Mesmo se ateu e materialista, o comunismo possui de fato muito mais coisas em comum com uma fé irracional e fanática.

Professor Zappitello, quando o Senhor fala de “fé” no comunismo. É possível falar de um verdadeiro e próprio culto, mesmo se ele sempre se definiu como baseado em uma “ciência”?
Sobre o comunismo como religião (laica) existe uma literatura muito vasta. De elementos próprios de uma religião na história do comunismo existem tantos outros. Recordo o “culto da personalidade”, chave de literatura usada por Kruscev para interpretar o fenômeno do stalinismo, e as peregrinações ao túmulo de Lênin para prestar homenagem a seu cadáver, embalsamado como aquele dos antigos faraós. Calcula-se que pelo menos 100 milhões de pessoas participaram destas peregrinações. De comunismo como ciência não se fala mais disso já há tanto tempo.

 O Senhor define o Estado soviético como um Estado confessional ateu. O marxismo foi também definido como uma “anti-Igreja”, uma igreja diretamente alternativa ao Cristianismo. Quais são as características desta Igreja e em que sentido entende atacar diretamente a Igreja de Cristo?
O comunismo realizou uma cadeia de Estados confessionais que não há comparação na história, chegando a mais de 50 por cento da população mundial. Estados confessionais porque o comunismo, na forma marxista-leninista, era doutrina de Estado e porque tiveram como característica a perseguição ao cristianismo. Trata-se da maior perseguição religiosa da história. Na RSFSR e depois na URSS somente os religiosos da Igreja ortodoxa russa que foram assassinados no decorrer de três grandes ondas de perseguição foram em torno de 200 mil, mas se buscava esconder a perseguição com motivações de tipo doutrinal e político como “luta à contrarrevolução”, “luta contra os reacionários” e similares. Deste modo se obtinham duas vantagens: a perseguição não era explicitamente admitida e depois eram eliminados os piores inimigos da nova fé; fé no Homem e no comunismo no sentido de Feuerbach, de Marx,  de Engels, de Lenin e de Stalin. Um componente fundamentalmente desta fé era a imanentização da transcendência. Eric Voegelin fala de re-divinização do poder e de “imanentização do eschaton”.

Existe uma herança direta com as heresias cristãs dos séculos e milênios passados?
Esta tese, muito importante, é sustentada por Norman Cohn, Jacob Talmon, Igor Safarevic e por outros. O próprio Engels estudou as seitas heréticas do período da Reforma. Estes autores consideram que para que estes fenômenos se formem e cheguem a emergir seja necessária uma série de outras causas a contribuir como uma grave e profunda crise social e um clima apocalíptico.

De que modo o pensamento marxista entrou na Igreja católica?
Quando Marx na Crítica do programa di Gotha quis dar uma definição da futura sociedade comunista usou uma frase retirada dos Atos dos Apóstolos. A semelhança entre comunismo e cristianismo, porém é somente aparente. Na realidade, no comunismo está presente um desafio: realizar um mundo melhor em nome do Homem-deus combatendo contra os seguidores de Deus e do Deus-homem; ou seja contra o cristianismo. Portanto, existem no comunismo elementos cristãos juntos a elementos iluministas; o todo por dentro da dialética marxista, a qual é profundamente anticristã (o progresso através da luta e a violência). Para Feuerbach, Marx e Engels o Homem e Deus são inconciliáveis: “Aquilo que é dado ao céu é retirado da terra”.

Também no comunismo existe uma ideia do Apocalipse, ou pelo menos do final dos tempos (final da história). E existe também o equivalente do Juízo?
Nos Manuscritos econômico-filosóficos de 44, Marx fala do comunismo como a plena realização do humano e o cumprimento da história; ou também do final da pré-história e o início da história. Engels, por sua vez, fala do comunismo como passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade. O comunismo constitui ao mesmo tempo o início e o fim dos tempos.

Em Fátima, Nossa Senhora advertiu contra os “erros da Rússia” que se “espalhariam em todo o mundo”. Estes erros existem ainda entre nós?
Creio que a cultura dominante seja ainda muito distante de compreender a importância da história do comunismo; o que este nos ensina sobre a modernidade e, ainda mais, sobre o que está no profundo do homem e que se manifesta nas situações extremas; extremas como aquelas realizadas pelos comunistas no poder. Isto apareceu evidente também no modo como (não) se falou da Revolução russa no ano do seu aniversário (2017). Por enquanto estamos ainda na fase do esquecimento, das meias-verdades e das censuras. Para compreender a história do comunismo é preciso pelo menos superar a cultura do antifascismo e aquela do 68. Provavelmente serão necessárias gerações. Pessoalmente estou convencido de que a história do comunismo revele a verdade do cristianismo sobre o homem; o mal que existe nele, mas também o seu desejo de salvação e de redenção.



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