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terça-feira, 8 de maio de 2018

Marx, um falso profeta derrotado pela história



Do New York Times ao presidente da Comissão Europeia, todos celebram o bicentenário de Marx e a sua herança intelectual. No entanto, nenhumas das previsões de Marx aconteceram e a aplicação da sua teoria levou direto ao totalitarismo comunista. Sobre isso, falamos com Dario Antiseri, filósofo.




É possível que até mesmo o New York Times, ponto de referência dos liberais americanos, celebre os 200 anos do nascimento de Marx com um editorial no qual ele é tratado como um profeta? É possível que também o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker (um popular) participe das celebrações do bicentenário de Marx e faça uma defesa da herança intelectual deixada por ele? É possível que “Marx tinha razão” ou “previu a atual crise do capitalismo” e “fornece os instrumentos para sair desta” sejam frases que ouvimos na boca de economistas gritando como o francês Thomas Piketty ou o grego Yanis Varoufakis?

A Nuova Bussola Quotidiana conversa sobre isso com Dario Antiseri. Filósofo, primeiro ordinário de Filosofia da Linguagem na Universidade de Pádua, depois de Metodologia das Ciências Sociais na Universidade Luiss de Roma, já presidente de Ciências Políticas no mesmo ateneu, é autor de um dos primeiros manuais de história da filosofia que todos conhecemos já há muito tempo nos liceus, escrito juntamente com Giovanni Reale (1931-2014). O Reale-Antiseri foi traduzido em espanhol, português e já há mais de 20 anos em russo. Recentemente apareceu uma versão em língua kazaka e está em curso uma tradução para o chinês. O professor Antiseri tornou conhecido na Itália A Sociedade Aberta e os seus Inimigos, livro paradigmático do pensamento político contemporâneo de Karl R Popper (1902-1994). Introduziu sucessivamente boa parte da obra de Popper e do liberalismo clássico contemporâneo. Portanto, de um pensamento que não somente é fortemente crítico, mas que constitui a antítese do marxismo, por método e finalidades. “Popper sustentava que os grandes homens podem cometer grandes erros. O dizia de Platão, mas é válido também para Marx. Segundo Popper, o marxismo é a mais pura, elaborada e perigosa forma de historicismo, ou seja, da pretensão de ser capaz de prever todo o curso da história humana”.

Professor Antiseri, então Popper era um admirador de Marx?
Não. Existe um reconhecimento dos méritos de Marx. Para Popper, Marx nos abriu os olhos sobre aspectos importantes da sociedade, por isto não é possível, a seu ver, retornar a uma ciência social pré-marxiana. Como também, para Popper, Marx era animado por uma forte carga humanitária. Em todo caso, as suas teorias fundamentais são erradas. Começam exatamente do materialismo histórico: a ideia segundo a qual (cito Marx) “não é a consciência dos homens que determina o seu existir, mas, o contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”. Esta ideia, em sentido amplo, pode ser também válida, porque a múltipla relação entre estrutura econômica e mundo das ideias existe, mas se assumimos em modo dogmático... dizia Max Weber (um dos pais da sociologia, 1864-1920, ndr) que “a assim chamada concepção materialista da história, no seu sentido genialmente primitivo, assim como aparece no Manifesto do Partido Comunista, sobrevive somente na mente das pessoas privadas de competências específicas e de amadores”.

E naquilo que se refere à dialética da história?
Marx inverte a dialética de Hegel do mundo das ideias para o histórico-social. E o que obtém? Uma incontrolável concepção metafísica da história humana que seria guiada por inelutáveis leis de desenvolvimento – uma metafísica que “interpreta” tudo e o contrário de tudo e que “não explica cientificamente nada”. Além do mais, como precisado por Hans Kelsen (1881-1973), a dialética de Marx não diferencia os fatos dos valores, chegando a equiparar o desenvolvimento da história a uma progressiva afirmação do Bem. Uma espécie de profecia política, confundida com uma previsão científica. “A dialética é uma das crenças mais fantásticas que Marx tenha mediado de Hegel” afirmou Bertrand Russell. E para Lucio Colletti (1924-2001) “a dialética é uma bagunça filosófica de escola noturna”.

Os comunistas recordam, mais que o materialismo e a dialética, o moto “a propriedade é um furto”...
Para Marx, a propriedade privada é o mal absoluto. Mas, não é muito difícil compreender a impossibilidade de um sistema econômico sem propriedade privada. O economista Ludwig von Mises (1881-1973) fez compreender com clareza a irracionalidade do sistema que abole a propriedade privada dos seus meios de produção. O cálculo econômico, que coloca em confronto investimentos e produção, é possível somente em uma economia de mercado. E isto pela razão de que a base do cálculo econômico é constituída por preços. Onde não existe propriedade privada e não existe liberdade de mercado, não existe nem mesmo mais algum mecanismo que sustenta a formação dos preços. Abolindo o mercado, o socialismo torna impossível a solução dos problemas econômicos. Entre as consequências deste sistema existem o arbítrio e a corrupção do sistema político, destruição das reservas nacionais. A abolição do mercado é a estrada da fome.

Somente da fome?
Também da escravidão. O comunismo, uma vez aplicado na realidade, leva ao nascimento de Estados com poder absoluto que reinam sobre povos de escravos. “Quem possui todos os meios, estabelece todos os fins”, afirmou o economista Nobel, Friedrich von Hayek (1899-1992). Atenção a este ponto: “Quem possui todos os meios, estabelece todos os fins”. O controle econômico não se limita a um só aspecto da nossa vida, mas se estende a todos os meios com os quais podemos alcançar todos os nossos fins. Será quem possui todos os meios a estabelecer, portanto, quais devam ser os fins da nossa vida, quais os que devem ser considerados superiores e quais inferiores, em que crer e a que aspirar. De que vale escrever sobre uma Constituição que existe liberdade de expressão, se depois todas as fábricas de papel e as tipografias pertencem ao Estado? E que sentido tem declamar que existe liberdade de religião se todas as chaves de todas as igrejas são possuídas pelo Comitê Central do Partido? Como dizia Agnes Heller, o comunismo equivale à ditadura sobre as necessidades.

Ainda hoje, porém, se dá por resolvida a validade da teoria do valor-trabalho de Marx. Prova disto é que se continua a falar em termos de “exploração”, ou seja, de um trabalho menor que seu valor objetivo para permitir ao empregador de enriquecer.
A teoria do valor-trabalho é simplesmente um erro. O valor de um bem não é dado pela quantidade de trabalho socialmente necessário a sua produção, mas pela sua escassez e pela preferência dos seus potenciais compradores. Sobre este erro clamoroso, desmentido pela ciência econômica, se fundamentam todos os outros, como a abolição da propriedade privada e da livre troca. E, portanto: fim da liberdade.

Marxismo: é ciência ou metafísica?
Embora contivesse traços metafísicos, como o materialismo histórico e o materialismo dialético, o marxismo, afirma Popper, nasce como ciência, enquanto a teoria marxista continha algumas previsões controláveis. Previa, por exemplo, que seria iniciada uma iminente revolução, considerada como um evento necessário do desenvolvimento histórico. A um Partido Comunista seria suficiente esperar, no máximo tornar “as dores deste parto menos dolorosas e mais breves”, como escrevia o próprio Marx. A revolução seria iniciada em um pais industrialmente avançado. Esta previsão é desmentida pela história, junto a outras. Os socialistas “revisionistas”, como Bernstein, compreenderam isso. Mas os marxistas ortodoxos cobriram de hipóteses construídas ad hoc estas duras desmentidas da história. “O marxismo, uma vez, foi ciência. Mas uma ciência que cobriu os seus erros terminou como uma metafísica cruel”, escreveu Karl Popper. A sua conclusão: “O marxismo morreu de marxismo”. 

Para os neomarxistas contemporâneos, porém, estamos vivendo hoje, mesmo se em retardo, a crise do capitalismo prevista por Marx.
O capitalismo não é um paraíso, ninguém o afirma. E não devem ser cobertos os seus erros, nem as coisas terríveis da história. A questão, porém, é: o que escolher no lugar do capitalismo? Eliminando uma sociedade estruturada sobre o livre mercado o que obténs? Um sistema totalitário. Certamente o mercado, para funcionar, deve ser bem regulado.  Mas, abolindo-o, experimentemos pensar em que coisa chegaríamos. É esta a pergunta que devemos colocar e que ao invés os neomarxistas não colocam.  Devemos ver a que levou a aplicação das teorias marxistas na prática. Pensemos em Lenin: o seu era marxismos ortodoxo. Criou um sistema totalitário, primeiro aplicado à Rússia, depois a um terço do mundo: um cárcere a céu aberto, uma fonte de sofrimento e de miséria para milhões e milhões de homens.

É dito também que os regimes comunistas não têm nada a ver com Marx
Basta ler Lenin para desmentir esta justificativa. Para Lenin a consciência política se identificava com a doutrina marxista e esta era a doutrina oficial do Partido revolucionário. Lenin definia a teoria marxista “onipotente porque justa” e o Partido se torna “guardião da sua pureza”. Além do mais, “toda diminuição da ideologia socialista, todo distanciamento dela, implica um fortalecimento das ideologias burguesas”.  E a burguesia, para Lenin, deveria ser eliminada com a violência. Os expurgos na Rússia, o extermínio pela fome na Ucrânia: foram tragédias enormes. Nas Tarefas das associações de jovens, Lenin escreveu, em 1920: “A nossa moral é em tudo e por tudo sujeita ao interesse da luta de classe do proletariado. A luta de classe continua e a nossa tarefa é aquela de subordinar a esta luta todos os interesses. Não precisa acariciar a cabeça de ninguém: poderiam morder sua mão. É preciso golpear sobre a cabeça, sem piedade”.

Porém, muitos ainda o admiram...
Aqui, digamos que todos estes admiradores do paraíso comunista, nenhum quis abandonar o inferno capitalista. Percebe-se que aquele calor agrada a eles particularmente.


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